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A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que tramita na Câmara e pretende criar um teto para o crescimento dos gastos públicos, terá efeitos nefastos sobre a política de assistência social no país. De acordo com nota técnica do instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), caso seja aprovado, o Novo Regime Fiscal – que vigoraria por 20 anos – irá impor uma redução de mais 54% aos recursos da área, comprometendo os avanços no combate à pobreza e à desigualdade.
Em tramitação na Câmara dos Deputados, a PEC 241 pretende
congelar as despesas primárias do governo, que só poderão crescer,
no máximo a variação da inflação do ano anterior. As despesas
primárias são justamente aquelas que possibilitam a oferta de
serviços públicos à sociedade e não incluem os gastos de natureza
financeira. São as verbas para previdência, saúde, educação,
assistência social, cultura, saneamento e habitação, entre outros.
Ou seja, aquelas que mais têm impacto sobre a parcela mais
vulnerável de brasileiros.
O estudo assinado pelas pesquisadoras do Ipea, Andrea Barreto de
Paiva, Ana Cleusa Serra Mesquita, Luciana Jaccoud e Luana Passos,
faz uma projeção, na qual compara os valores a serem investidos na
assistência social, se mantida a política atualmente em voga e caso
a PEC 241 seja aprovada. O resultado é aterrador.
Ao final das duas décadas em que irá vigorar, a Nova Regra Fiscal
(NRF) imposta pelo governo Michel Temer resultará em perdas da
ordem de R$ 868 bilhões para o financiamento da política de
assistência social – área do orçamento que beneficia justamente a
população mais necessitada.
As pesquisadoras ressaltam que as estimativas são ainda
conservadoras, já que o cenário base utilizado não prevê expansão
de serviços e programas e basicamente considera apenas a manutenção
das regras atuais e a dinâmica demográfica.
“Já no primeiro ano de vigência, o NRF imporá uma redução
significativa de recursos à política de assistência social. O teto
estimado para o MDSA garantirá apenas R$ 79 bilhões ao invés dos R$
85 bilhões necessários para fazer frente às responsabilidades
socioprotetivas, ou seja, uma redução de 8%”, diz a nota
técnica.
Menos da metade dos recursos, em 20 anos
As perdas, como mostra o gráfico acima, tenderão a aumentar de
maneira progressiva, alcançando 54% em 2036. “Para fazer frente à
oferta de serviços e benefícios que correspondem à política atual,
em 20 anos, a política de assistência social contaria com menos da
metade dos recursos que seriam necessários para garantir a
manutenção das ofertas nos padrões atuais”, analisam as
pesquisadoras do Ipea.
Diante da decisão política dos últimos governos de combater a
pobreza e a desigualdade no país, os gastos do Ministério de
Desenvolvimento Social passaram de uma proporção de 0,89% do
Produto Interno Bruto (PIB), em 2006, para 1,26% em 2015.
Caso seja adotada a nova regra fiscal, este indicador cairá para
0,70% do PIB em 2036. Para o mesmo ano, se mantida a política atual
de concessão de benefícios e oferta de serviços, os gastos do
ministério corresponderiam a 1,52% do PIB.
“Nos últimos 10 anos, o crescimento dos gastos do MDS reflete o
grande avanço das medidas socioprotetivas em relação à população
vulnerável. Neste período, o patamar de gastos com políticas
assistenciais mais que dobrou: passou de R$ 36 bilhões em 2006 para
atingir 74 bilhões em 2015, o que foi acompanhado de grande
expansão na cobertura dos benefícios”, expõe a nota do Ipea,
referindo-se a algo que pode estar próximo do fim.
Fim de programas e políticas
Segundo o estudo, embora a PEC 241 não estabeleça ajustes
específicos de programas existentes, ao congelar o crescimento das
despesas durante 20 anos, ela sinaliza para um volume
progressivamente menor de recursos face às demandas.
“Fica explícito, portanto, que a probabilidade das políticas da
assistência terem que ser revistas no âmbito do Ministério do
Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) aumenta a cada ano, o que
implicaria numa priorização de determinadas políticas em detrimento
de outras, forçando, no limite, a extinção de programas do MDSA
para se adequar ao limite da área”, concluem as
pesquisadoras.
Falar em assistência social é falar de diversos programas, serviços
e projetos de reconhecido papel no combate à pobreza e à
desigualdade. Um exemplo é o Programa Bolsa Família (PBF), que
atende 13,8 milhões de famílias pobres e extremamente pobres, e o
Benefício da Prestação Continuada (BPC), que garante um salário
mínimo mensal a idosos e pessoas com deficiência que estão em
condição de muita pobreza.
Diante dos resultados encontrados, o estudo constata que a nova
regra fiscal colocará em risco avanços sociais conquistados a duras
penas pelo Brasil. “O esforço de ajuste fiscal proposto na PEC
241/16 poderá comprometer os avanços realizados em relação ao
combate à pobreza e à desigualdade, e à promoção da cidadania
inclusiva”, afirma o texto.
O estudo destaca ainda que as ações assistenciais, em especial o
Benefício de Prestação Continuada (BPC), o Programa Bolsa Família
(PBF) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) colocaram o
Brasil “em patamar civilizatório mais elevado, ao afiançar direitos
e proteção ao público em situação de vulnerabilidade, seja pela
situação de pobreza, seja devido à violação de direitos”.
Segundo a nota, a elevação do gasto público nessa área, nos últimos
anos, anos "representou uma estratégia deliberada de ampliar a
cobertura e a efetividade dessas políticas de forma a prover um
modelo de desenvolvimento inclusivo". Algo que pode ir por água
abaixo, com a PEC 241. “O Novo Regime Fiscal poderá impor uma
descontinuidade da oferta socioprotetiva, o que constrangerá as
proteções já afiançadas pela política assistencial”.
Disputa entre áreas
Segundo a pesquisa, como as despesas primárias terão que obedecer
ao teto imposto pela PEC de forma conjunta, haverá uma tensão entre
as áreas, que passarão a disputar recursos.
“No caso de qualquer área ou órgão setorial dentro do Poder
Executivo ter crescimento do gasto acima da inflação, este deverá
ser, necessariamente, contrabalançado pela contenção dos gastos em
outras áreas, os quais deverão crescer abaixo da inflação, de modo
a respeitar o limite de reajuste da despesa primária total”,
detalha a nota.
Essa disputa por recursos, ainda por cima, poderá levar a outras
mudanças negativas, já que alguns gastos são obrigatórios por lei,
a exemplo dos benefícios previdenciários, Benefícios de Prestação
Continuada (BPC), seguro-desemprego, abono salarial e despesa com
pessoal.
“Estes gastos exercerão uma forte pressão em relação aos gastos
discricionários, uma vez que tenderão a crescer acima da inflação.
Assim, a diminuição da tensão que estes gastos provocam na dinâmica
do crescimento dos gastos primários passa, necessariamente, por
revisões nas regras de acesso e no valor dos benefícios”, diz o
estudo.
Além do mais, como existem pisos constitucionais estabelecidos para
as áreas de saúde e educação, que determinam que estes gastos não
poderão crescer abaixo da inflação, a pressão dos gastos
obrigatórios sobre as demais áreas e órgãos setoriais não poderão
ser compensados por estas duas políticas.
Na contramão do combate à desigualdade
Em resumo, de acordo com as pesquisadoras do Ipea, o Novo Regime
Fiscal estabelece um ajuste fiscal de longo prazo que determina o
congelamento das despesas primárias da União nos patamares de 2016,
em termos reais, sem refletir possíveis alterações da dinâmica
socioeconômica.
“Assim, aumentos na arrecadação não poderão ser revertidos no
aperfeiçoamento das políticas públicas. Tampouco o indexador
econômico deste limite, o IPCA, irá transferir para as ofertas de
bens e serviços o aumento das demandas sociais, impactadas tanto
pela alteração da dinâmica demográfica – que são previsíveis -, bem
como pelo aumento das necessidades da população frente a um quadro
econômico recessivo, no qual o país está inserido”.
O texto destaca ainda que, apesar de ter conseguido melhorar seus
indicadores, o país ainda convive com “níveis inaceitáveis de
desigualdade social, os quais exigem uma agenda governamental que
priorize seu enfrentamento, visando uma sociedade mais justa e
civilizada”. Nesse sentido, a PEC 241 atua na contramão das
necessidades do país.
“Além do risco de descontinuidade de serviços, o esforço fiscal
proposto na PEC 241/16 constrangerá as proteções assistenciais no
campo da garantia de renda operada pelo Benefício de Prestação
Continuada e pelo Programa Bolsa Família. (...) Caso o novo regime
fiscal entre em vigor, a restrição no financiamento será crescente,
ano a ano, impondo, por conseguinte, o encolhimento da cobertura e
a redução da efetividade da política de assistência social. Isto
significa, de um lado, desproteger segmentos sociais antes
protegidos e, por outro, dificultar novos acessos ao PBF e ao
BPC”.
No caso do Benefício de Pertação Continuada, o governo já anunciou
que pretende desvinculá-lo do reajuste do salário mínimo, fazendo
com que famílias que dependem desses recursos percam poder
aquisitivo.
"Convém lembrar ainda que a vinculação do BPC ao salário mínimo é
determinante na efetividade deste benefício no enfrentamento à
pobreza, e não apenas dos seus beneficiários diretos, mas também de
seus familiares. A renda proveniente do BPC representa grande parte
dos recursos que dispõem as famílias de seus beneficiários. Em
média, ela compõe 79% do orçamento dessas famílias e, em 47% dos
casos, ela representa a única renda da família", relata a nota
técnica do Ipea.
Quanto ao Bolsa Família, o governo já criou de uma série de
controles e fiscalizações sobre os beneficiários, que resultarão na
exclusão de milhares de famílias do programas. Antes mesmo de Temer
assumir o poder, seus auxiliares já falavam em focalizar o programa
nos 5% mais pobres da população, o que deixaria de fora 40 milhões
de pessoas.
Despesas sociais como gasto, não investimento
Para as pesquisadoras do Ipea, a limitação para inclusão de novas
famílias nos programas sociais, por sua vez, teria graves
consequências em caso de agravamento da crise econômica, cujos
efeitos negativos – como já se vê no aumento da taxa de desemprego
e queda da renda das famílias – exigiria resposta do Estado na
forma de garantia de uma renda mínima que assegure ao menos a
sobrevivência das famílias deslocadas para situação de pobreza.
“Considerando que parte expressiva das despesas primárias, objeto
da PEC 241/16, reflete a própria atuação do Estado no campo social,
pode-se concluir que o congelamento real dessas despesas por 20
anos representa uma desresponsabilização do Estado com a situação
social do país, com impactos em uma progressiva – e deletéria –
desvinculação entre a atuação pública no campo social e a dinâmica
de desenvolvimento do país”.
O estudo conclui que a configuração da PEC parece ancorar-se em uma
concepção de progresso que “desconsidera o papel proeminente dos
investimentos públicos em educação, saúde, assistência social e
cultura no desenvolvimento”. Segundo a nota técnica, a PEC parece
passar “ao largo da perspectiva de despesas sociais como um
investimento capaz de dinamizar a economia e seu próprio
financiamento”.
Outros remédios
O texto do Ipea rebate ainda o argumento utilizado pelo governo de
que impor o teto de gastos seria o único caminho possível para o
país sair da crise e a economia voltar a crescer. Em oposição a tal
justificativa, as pesquisadoras destacam que, recentemente, até
mesmo economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) revisaram
suas recomendações para os países em crise sobre as políticas de
austeridade fiscal.
Em artigo, pesquisadores do Fundo admitiram que tais políticas não
só têm custos para o bem-estar social, impactando no aumento das
desigualdades sociais, como também podem aumentar o desemprego,
prolongando e agravando as crises.
A nota técnica cita ainda estudo que aponta que a preservação de
determinados programas de proteção social é relevante para a
retomada do crescimento econômico em prazo mais curto. Ao mencionar
estudo sobre o tema, as pesquisadoras defendem que o equacionamento
dos problemas fiscais não depende exclusivamente do resultado
primário e não passa pela fragilização do Estado de Bem Estar
Social brasileiro, mas sim pela correção de distorções, eliminação
de privilégios injustificáveis, e por outros mecanismos de
distribuição de renda como a progressividade tributária.
Secretário Nacional de Comunicação da CNTTL: José Carlos da Fonseca - Gibran
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