Confira artigo "Plataformas se convertem em
estruturas geopolíticas da extrema direita" de autoria do
professor Sergio Amadeu,da Universidade Federal do ABC (UFABC)
e membro do Comitê Científico Deliberativo da Associação Brasileira
de Pesquisadores em Cibercultura (ABCiber), publicado originalmente
na Coluna do site do Brasil de Fato.
O modelo de negócios das redes sociais online é baseado
na economia da atenção e na modulação dos
comportamentos de seus usuários. Isso significa que essas redes
organizam a coleta de dados de quem as utiliza para identificar os
hábitos, gostos e interesses de cada pessoa. Tendo como base esses
perfis, os algoritmos das redes sociais distribuem seus
conteúdos e definem o que cada um vai ler e ver.
A renda das big techs vem da capacidade de distribuir mensagens
publicitárias certeiras. Isso é possível porque com o perfil de
cada usuário, essas empresas atraem a sua atenção conforme
gatilhos, cores, imagens e palavras que as envolvem. Com base nessa
economia da atenção, os sistemas algorítmicos das redes sociais vão
modulando, orientando o comportamento das pessoas. É principalmente
pelo controle da visualização de mensagens que a modulação é
realizada. Por isso, o tempo todo os usuários das redes são
colocadas em amostras acessadas por quem pagou pela distribuição
dos conteúdos específicos para aqueles determinados perfis.
As leis de proteção de dados não proíbem o tratamento de dados
sensíveis, nem a vigilância permanente dos usuários, por parte
dessas plataformas. Por isso, essa coleta massiva e constante de
dados não chega a um fim. As plataformas querem saber sempre mais
sobre cada usuário. Como a operação e a gestão algorítmica dessas
estruturas são invisíveis para quem as utiliza, não sabemos ao
certo quantas experiências comportamentais são realizadas sem o
conhecimento e controle da sociedade. Mas, as leis de proteção de
dados protege esse modelo de negócios.
Para atrair e prender a atenção das maiorias, as redes sociais online estimulam o
sensacionalismo e a espetacularização. Alguns dizem que elas geram
polarizações, mas isso não parece explicar a dinâmica central dos
algoritmos. Para chamar a atenção de cada perfil, as redes sociais
utilizam os temas, assuntos e palavras preferidas de grupos de
usuários, mas privilegiam os conteúdos que podem engajar mais,
prender mais a atenção, em geral, tais conteúdos se caracterizam
pelo exagero, por aquilo que desperta a curiosidade, pela narrativa
espetacular. Para quem tem um perfil de grande interesse pela
ciência, publicar que a Nasa acaba de obter indícios de vida em um
certo planeta irá chamar sua atenção. A notícia não precisa ser
verdadeira, deve apenas ser espetacular.
O grupo Meta (controlador da Whatsapp, Instagram e Facebook), o
Grupo Alphabet (controlador do Google e do
Youtube) e as demais Big Techs nunca privilegiaram a qualidade e a
veracidade da informação. Sempre priorizaram o número de cliques, a
polêmica e o engajamento em torno de postagens. A apuração de uma
informação ou uma postagem sempre foi secundarizada diante do
número de replicações, repostagens e comentários. As redes sociais
online aplicam na prática o princípio de Goebbels: uma postagem é
verdadeira se for replicada um milhão de vezes. Obviamente, essa
prática comunicacional das empresas se confunde com a principal
estratégia da extrema direita, a desinformação.
Para as democracias sobreviverem a um sistema comunicacional
baseado no espetáculo e na vontade de quem tem mais poder econômico
para monetizar suas postagens será preciso regular as plataformas
de relacionamento online. Isso não será fácil. Por que? A extrema
direita defenderá com todas suas forças o modelo de negócios das
redes sociais intacto. Esse modelo que coloca o poder econômico e a
mentira como preceitos fundamentais da organização social, que
descarta a realidade dos fatos diante do que pode chamar mais as
atenções e engajar o que tem de mais desprezível e desrespeitoso no
senso comum é de total interesse das classes dominantes que
aderiram ao neoliberalismo.
Estamos lidando com o fascismo. Nos anos 20, 30 e 40 do século
XX, o fascismo histórico era corporativo, o fascismo do século XXI
é neoliberal. A destruição total de direitos e a colocação do
Estado a serviço das empresas e da liberdade de quem tem poder
econômico são os primados do neofascismo. Não vamos nos iludir. As
redes sociais online, as plataformas controladas pela Big Techs são
estruturas geopolíticas cada vez mais alinhadas com a extrema
direita. Seus tentáculos chegam aos parlamentos. No Brasil, antes
da eleição de Trump já impediram a aprovação do projeto de Lei
2630. Agora que o modelo de negócios das plataformas e a
disseminação de desinformação são política oficial do governo
Trump, não será fácil regular essas megaestruturas. Espero não
chegarmos a uma situação em que o combate ao fascismo se confundirá
ao combate ao poder descomunal das plataformas.
Secretário Nacional de Comunicação da CNTTL: José Carlos da Fonseca - Gibran
Redação CNTTL
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