"O que
está em jogo é um retrocesso brutal ou garantir mais avanços, se o
governo Lula será apenas um parêntese ou uma ponte na resistência
contra as elites tradicionais." A avaliação é do professor Emir
Sader.
Doutor em Ciência Política pela USP, coordenador do
Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e secretário-executivo do
Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais, Sader fez no dia 15
de maio, uma palestra na UFPR, na qual lançou o livro "Brasil,
entre o passado e o futuro", do qual é um dos organizadores. A
publicação pretende analisar os obstáculos do governo federal e, ao
mesmo tempo, chamar os intelectuais ao debate.
Na palestra, que lotou o Anfiteatro 100 da universidade, Emir
Sader disse que uma eventual vitória da ex-ministra Dilma Rousseff
significaria a derrota de toda uma geração da direita brasileira.
"Não existe terceira via [além da petista Dilma e do tucano José
Serra]", declarou. "Se ela ganhar, poderá desenhar a cara do país
na primeira metade deste século."
O pesquisador observou que vários presidentes sul-americanos
declararam, de forma velada ou não, apoio à pré-candidata do PT,
entre eles Evo Morales (Bolívia), José Pepe Mujica (Uruguai), Hugo
Chávez (Venezuela) e Rafael Correa (Equador). "Tomara que a gente
politize a campanha."
Sader traçou um paralelo entre a forma preconceituosa como
Lula e Morales são tratados em seus países. "Evo Morales, um índio
que dá certo na Bolívia, é tratado de forma depreciativa pela elite
branca do país, o chamam de índio de m...", disse. "Lula também não
perdeu o dedo no jet sky."
Afirmou que o PT deveria dar espaço no horário eleitoral da
TV ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "FHC é o político
contemporâneo mais rejeitado hoje no Brasil."
"O governo anterior [de FHC] consolidou a política
neoliberal, privatizou, desregulou, precarizou as relações de
trabalho", enumerou Sader. "O tema do desenvolvimento foi abolido
em nome da estabilização monetária."
Na avaliação do pesquisador, a universidade brasileira, com
raras exceções, está dissociada do processo político em curso no
país e fechada em si mesma. "Reaproximar o pensamento teórico da
prática política é um desafio."
Governo Lula
O pesquisador criticou a hegemonia do capital financeiro e do
estilo de vida norte-americano, "de shopping center", no qual o
consumidor, e não o cidadão, é privilegiado. "[O shopping] É a
deterioração dos espaços públicos, onde não há janela, não há
pobres e nada é de graça, tudo é voltado ao consumo."
Ele fez um balanço do governo Lula e da conjuntura dos demais
países da América Latina. Observou que a gestão do atual presidente
da República registra "grandes avanços" em algumas áreas, e
"estancamento", em outras.
Sader comentou que a América Latina, ao longo da década de
1990, foi a região do planeta com mais governos de orientação
neoliberal. "A Argentina, por exemplo, que, no passado, muito antes
do Brasil, tornou-se autossuficiente em petróleo, hoje fica
mendigando por energia, um retrocesso", disse. "Vivemos uma espécie
de ressaca do neoliberalismo."
Na sua avaliação, o governo Lula tem, entre seus méritos, a
opção pela priorização das políticas sociais e uma política externa
que enfatizou alianças Sul-Sul e rejeitou a Alca (Área de Livre
Comércio das Américas). "Por que saímos antes da crise mundial?
Porque diversificamos nossas exportações, intensificamos o comércio
regional com nossos vizinhos e expandimos o mercado interno de
consumo popular."
Por outro lado, a gestão do presidente petista não atacou a
hegemonia do capital financeiro ("O Banco Central é de fato
independente do governo"), nem tampouco contrariou interesses como
o do agronegócio, por exemplo.
Mídia
O professor da Uerj fez ainda duras críticas à imprensa
brasileira, classificada por ele como "ditadura da mídia privada",
em que "quatro ou cinco famílias" forjariam uma opinião
pública.
"Empresas de oligarquias familiares querem dizer o que é
democrático", apontou. "Colocam em pauta temas que não são
essenciais, e deslocam os temas de fato essenciais."
Sader elogiou a realização, no último mês de dezembro, da 1ª
Conferência Nacional de Comunicação. "Apesar da sabotagem [de parte
dos empresários que não participou dela], foi uma vitória, uma
primeira plataforma alternativa para a área."
Para ele, houve um enfraquecimento do PT como partido,
principalmente nos Estados. "O PT pagou o ônus pela crise de 2005",
disse. "Hoje o futuro do Brasil depende mais do governo que do PT,
que perdeu dinamismo."
Emir Sader observou que "toda a imprensa brasileira" é contra
o governo Lula, mas o governo tem apenas 5% de rejeição. "Os donos
de jornais teriam que mandar todo mundo embora por falta de
produtividade", ironizou.
Avaliação dos professores
"A universidade nunca esteve tão bem como no governo Lula. De
todos os alunos do nosso mestrado e doutorado em sociologia, apenas
dois não têm bolsa, porque têm vínculo empregatício e não
quiseram", disse José Miguel Rasia, coordenador do Programa de
Pós-Graduação em Sociologia da UFPR. “No tempo de FHC, era uma
mendicância por bolsa.”
Chefe do departamento de Ciências Sociais da UFPR, Ricardo
Costa Oliveira concordou e complementou: "A simples menção do nome
do Paulo Renato [ex-ministro da Educação no governo FHC], que pode
voltar a ser ministro [no caso de uma eventual vitória de Serra],
mobiliza até o professor mais conservador desse prédio."
Promovida pelos programas de Pós-Graduação em Sociologia e em
Ciência Política da UFPR, em conjunto com o Setor de Ciências
Humanas, Letras e Artes, a palestra, seguida de um breve debate,
durou cerca de duas horas. Ao final de sua fala, Emir Sader foi
aplaudido de pé pelo público presente.
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