Os poucos
trabalhadores que conseguiram ultrapassar um esquema de segurança
de dar inveja a qualquer regime ditatorial e tiveram acesso ao
plenário da Câmara dos Deputados, cada vez menos a “Casa do Povo”,
puderam perceber porque a classe trabalhadora e os juristas são
contra e quais razões colocam os empresários a favor do projeto de
lei (PL) 4330/2004, que regulamenta a terceirização.
Na quarta-feira, dia 18, uma Comissão Geral, espécie de audiência
pública, reuniu representantes das centrais sindicais, empresários
e parlamentares para discutir o PL que permite a terceirização em
todos os setores das empresas e ameaças dos direitos de todos os
trabalhadores com carteira assinada.
Logo no início da sua intervenção, o presidente da CUT, Vagner
Freitas, destacou a dificuldade que os movimentos sociais tiveram
para entrar no Congresso e a necessidade de diminuir a distância
entre o Legislativo e as ruas. “Se essa é a Casa do Povo, deveria
ser permitido aos trabalhadores que lotassem essas galerias e isso
só comprova a necessidade de fazermos uma reforma política para que
também possamos estar aqui e não apenas os empresários.”
Trabalhador é quem defende trabalhador
Ele rebateu ainda os argumentos dos empregadores, que antecederam
sua fala e disseram estar interessados em proteger os
terceirizados. “A segurança jurídica que desejam é para precarizar
salários e condições de trabalho. É mentiroso dizer que a
terceirização é para contratar mão de obra especializada. Se esse
PL passar, o trabalhador será demitido e, depois, contratado
indiretamente para trabalhar mais e ganhar menos. Também estamos
preocupados em garantir direitos aos 13 milhões de terceirizados
que os empresários tanto citam, mas esse projeto não trata disso e
sim em precarizar os outros 48 milhões”, afirmou o dirigente.
Segundo Vagner, a Central quer negociar, mas não com essa proposta.
“Estamos dispostos a sentar à mesa para estabelecer regras para
normatizar, mas desde que retire esse projeto. Colocar o
trabalhador para ter uma jornada maior e pagar menos não tornará o
país mais competitivo. Em cada rincão deste país vai ter um
militante da CUT organizado para impedir que esse PL avance”,
disse.
Além da CUT, dirigentes das demais centrais também estiveram
presentes e demonstraram unidade contra o PL. Os trabalhadores
aproveitaram para questionar a razão de outros projetos favoráveis
à classe trabalhadora, como a redução da jornada sem redução de
salário e o fim do fator previdenciário, não receberem a mesma
atenção e urgência dos deputados.
Legalizar a exploração
Empresário e autor do projeto, o deputado federal Sandro
Mabel (PMDB-GO) e o relator do texto na Câmara, Arthur Maia
(PMDB-BA), mostraram estar afinados com os patrões. Em todas as
intervenções, parlamentares e empresários destacaram a
terceirização como um processo irreversível e a necessidade de
garantir um ordenamento jurídico. Algo como defender o trabalho
escravo simplesmente porque ele existe. “Essa lei acaba com a
precarização dos trabalhadores, que hoje só contam com a Súmula 331
do TST (Tribunal Superior do Trabalho). Vamos diminuir muito o
sofrimento do trabalhador que perde emprego e não tem para quem
reclamar. Muitos são contra porque não leram o projeto ou por
ideologia”, apontou Mabel.
A “defesa” dos terceirizados foi ironizada pelos deputados Marcon
(PT-RS) e Janete Pietá (PT-SP). "Nunca vi raposa cuidar do
galinheiro. O deputado Sandro Mabel tem lado e não é dos milhões de
trabalhadores, mas sim dos empresários, a quem tem de prestar
conta, de quatro em quatro anos, porque são eles que financiam sua
campanha”, disse Marcon. “Sandro, não subestime a classe
trabalhadora, que leu o projeto. Há sim uma questão de ideologia:
você representa os empresários, nós, a classe trabalhadora”, falou
Pietá.
Arthur Maia também adotou o viés da defesa dos terceirizados. “Se
existe dificuldade, temos que resolver no acordo ou no voto. O que
não pode é o Brasil negar-se a oferecer a todos que vivem da
terceirização uma legislação clara para que possamos banir
definitivamente a insegurança jurídica”, defendeu.
Mesma língua
Pelo lado dos empresários, o argumento seguiu pela necessidade de
legalizar a precarização. “A terceirização é uma realidade no mundo
e uma forma moderna de gestão das atividades econômicas. Não
podemos simplesmente chegar aqui e fechar os olhos. Vamos continuar
terceirizando sim e queremos uma segurança jurídica. Sem
legislação, caímos no casuísmo que não é interessante nem para
trabalhadores, nem para empregadores.”
O deputado federal e vice-presidente da Confederação Nacional do
Comércio (CNC), Laércio Oliveira deixou claro que, na verdade, os
empresários querem é ajudar. “Essa lei traz proteção, a maioria dos
artigos traz segurança jurídica e as centrais deveriam defender a
lei. Desprezar uma proposta que só contempla vantagem para os
trabalhadores? Falta bom senso. Sem terceirização o Brasil para”,
argumentou.
Juristas são contra
A visão de quem cuida diariamente de processos relacionados a
terceirizações fraudulentas, porém, é totalmente oposta a dos
empregadores. O ministro do TST, Maurício Delgado, lembrou que 19
dos 26 ministros do tribunal, todos os presidentes de Tribunais
Regionais do Trabalho (TRT) e a Associação Nacional dos Juízes do
Trabalho (Anamatra) divulgaram um manifesto contra o projeto de
lei. “Todos têm no mínimo 25 anos de experiência no julgamento de
questões relativas à terceirização e julgamos cerca mil processos
por mês, o que mostra razoável experiência sobre a realidade do
Brasil. Esse projeto generaliza terceirização e, ao invés de
regular e restringir o que provoca malefício social, torna
procedimento de contratação e gestão trabalhista praticamente
universal no país. E é esse o grande problema”, defendeu.
Para ele, caso a proposta seja aprovada, as categorias
profissionais tendem a desaparecer, porque todas as empresas
terceirização suas atividades. “Não há um único exemplo de
terceirização benéfica em relação à saúde nos casos que julgamos
diariamente”, afirmou o ministro.
O também ministro do TST Alexandre Belmonte cita os prejuízos que a
aprovação do projeto pode trazer. “A Súmula 331 do tribunal traça
todos os limites para que a terceirização possa se realizar com
dignidade para o trabalhador. O projeto elimina esses limites”,
afirmou.
O presidente da Anamatra, Paulo Schimidt, classificou o texto como
uma “tragédia”, enquanto o presidente da Associação Nacional dos
Procuradores do Trabalho (ANPT), Carlos Lima, definiu como “um
retrocesso social”.
Sem unanimidade
Também representante do TST, Caputo Bastos discordou de seus
colegas e afirmou que o problema dos acidentes de trabalho “não são
por conta da terceirização, mas por falta de fiscalização nas
empresas”.
Já o ex-ministro do Trabalho Almir Pazzianoto defendeu, sob vaias,
a aprovação imediata do projeto e uma discussão posterior do tema
pelo Judiciário.
Regulamentar a fraude
Opinião diferente apresentou outro ex-ministro do Trabalho, o
deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP), que recebeu Mabel pela
primeira vez para discutir o Projeto de Lei 4330 quando ainda
ocupava a pasta, em 2004, e afirmou já existir previsão de
prestação de serviço na legislação brasileira. “O que se está
propondo agora é a interposição fraudulenta de mão de obra daqueles
empresários que são desonestos. Do jeito que está, o projeto é
inconstitucional. Se permitirmos a fragmentação da organização
sindical dos trabalhadores, e é só dos trabalhadores, porque os
empresários vão continuar com seu sistema “S”, um patrimônio
duramente constituído será jogado no lixo.”
Além do PT, as bancadas do PSB, PSOL e PCdoB, por meio de suas
lideranças, apontaram que são contrárias ao projeto.
Próximos passos
Ao final do encontro, o secretário de Relações do Trabalho do
Ministério do Trabalho, Manoel Messias, disse que é preciso
equilíbrio para garantir uma legislação justa e que isso só será
possível “se houver entidades sindicais fortes, sem fragmentação
dos trabalhadores e com limites à regulamentação.”
O presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
(CCJC), deputado Décio Lima (PT-SC), encerrou a Comissão Geral com
a afirmação de que não há data marcada para votar o PL e defendeu
que o diálogo entre trabalhadores, empresários e governo
continuem.
Para a secretária de relações do Trabalho da CUT, Maria das Graças
Costa, o debate foi positivo, principalmente para a classe
trabalhadora. “Pela primeira vez os empresários resolveram mostrar
a cara e deixaram claro quais interesses defendem. Acredito que
nossos argumentos venceram essa disputa hoje, mas só vamos
conseguir engavetar esse projeto se houver mobilização em todos os
estados”, concluiu.
Com informações da CUT
Nacional
Secretário Nacional de Comunicação da CNTTL: José Carlos da Fonseca - Gibran
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