Cada dia, mais de 500 famílias espanholas
são expulsas de suas casas pela impossibilidade de seguir pagando o
financiamento do imóvel ao banco. A previsão das associações de
consumidores é de que até o final de 2012 o número total de
desalojamentos forçados ultrapasse os 100 mil.
Enquanto os antigos moradores passam a depender do favor de amigos
ou parentes para ter um teto, seus lares ficam vazios, já que a
recessão freou o comércio de imóveis em todo o país.
De fato, em 2011 o número de financiamentos concedidos foi 33%
inferior ao do ano anterior, mais um dado ruim para um setor que já
acumula cinco anos no negativo.
Além de não resolver o problema do banco – que de qualquer maneira
fica sem receber dinheiro pelo imóvel que retomou – tomar a casa do
comprador inadimplente não o livra da dívida, como acontece no
Brasil. Pelo contrário, o sujeito desalojado fica sem teto e com um
débito que varia entre 150 e 300 mil euros, segundo cálculos das
associações que lutam pelos direitos desses cidadãos afetados pelo
problema.
“É um embargo à vida da pessoa porque quando recupera a sua
condição econômica, terá uma dívida imensa para fazer frente”,
condena o técnico da Associação de Usuários de Bancos, Caixas e
Seguros da Espanha (Adicae), Francisco Javier Alvarado, que mantém
uma organização para tentar evitar os despejos.
Desemprego
A maioria dos inadimplentes está incluída nos 25% da população
economicamente ativa espanhola desempregada. Existem 1,7 milhão de
lares espanhóis nos quais nenhum integrante tem uma renda fixa – e
mais de 5 milhões são sustentados por uma única pessoa com
renda.
Diante dessa situação, em 40 dias quatro pessoas se suicidaram ao
receber o comunicado da justiça de que devem deixar seus lares.
“São dramas humanos muito fortes. Há vários casos de desalojo de
famílias com crianças pequenas ou de anciões que deram sua casa
como garantia ao financiamento pedido pelos filhos. É impossível
ficar imune”, reconhece o porta-voz do Sindicato Unificado da
Polícia espanhola, José María Benito Celador.
Os agentes reclamam de um problema de consciência: por um lado, não
podem descumprir o seu dever nem as ordens que recebem. Por outro,
o sindicato já denunciou casos inclusive de mal-estar físico, de
guardas que tiveram que ser levados ao hospital depois de
participar em um despejo. “Já há muitos agentes que se negam a ir a
ações deste tipo”, revela. E coloca o dedo na ferida: “A lei é
injusta”.
Abusos
Muitos dos contratos que permitem hoje aos bancos reclamar a casa
pelo não pagamento da dívida de financiamento possuem cláusulas
abusivas – a mais famosa é a que institui um mínimo de juros a
serem pagos mesmo nos casos em que o índice que gerencia o reajuste
das parcelas se reduza.
Mas há outras mais: “Durante o período da bolha imobiliária foram
feitos todos os tipos de aberrações. Só pensavam em vender
apartamentos e casas, não importa com que condições”, condena o
técnico da Adicae, Francisco Javier Alvarado.
“Contra os bancos ninguém pode se opor”, critica o porta-voz da
associação progressista Juízes para a Democracia, Joaquim
Bosch.
Não há direito à defesa, o sujeito não pode argumentar sobre o
porquê não paga nem demonstrar que o contrato é nulo, abusivo, ou
foi feito contra as leis. “No caso das hipotecas há uma nítida
vantagem dos bancos sobre as pessoas. Essa situação vulnerabiliza o
direito fundamental à moradia, que está garantido na Constituição”,
denuncia Joaquín Bosch.
Governo
Diante da comoção social que tomou conta da Espanha no último mês –
além de associações de todo o tipo se manifestarem contra a forma
como estão sendo levadas a cabo as execuções hipotecárias, vários
prefeitos de cidades espanholas liberaram seus corpos policiais de
participar em ações de despejos, se comprometendo a assumir
eventuais problemas judiciais que surjam por “insubmissão” – o
governo atuou.
Sem conseguir um acordo com o principal partido da oposição (PSOE),
a gestão de Mariano Rajoy (PP) baixou um decreto que paralisa
durante dois anos os despejos em famílias que se encontrem em
situação de “risco extremo”. Na prática, a medida fez com que os
processos judiciais se detivessem porque agora é necessário
reestudar cada caso para ver se enquadra no perfil protegido pela
lei.
Mas não é o suficiente. As associações acusam o governo de manobrar
para tirar da mídia os casos mais dramáticos – os de famílias
extremamente pobres, por exemplo, que revoltam mais a população –
mas afirmam que o decreto não terá impacto significativo no número
total de despejos.
Com informações
da Carta Maior
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