"Criminal
ou trabalhista?", pergunta o homem a duas senhoras que saem do
terminal da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo. Nas
proximidades, ficam dois fóruns movimentados, mas certamente o mais
famoso é o Ruy Barbosa, sede da primeira instância do Tribunal
Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, o maior do País, que
abrange a Grande São Paulo e a Baixada Santista. Ainda existem os
chamados "paqueiros", que distribuem cartões e indicam escritórios
de advocacia nas proximidades. A Justiça trabalhista é um manancial
de ações: todos os anos, cerca de 2 milhões.
Parte dos
problemas que levam um trabalhador à Justiça está relacionada ao
pagamento de verbas rescisórias. "A maioria, por exemplo, são
empresas que fecham e não pagam nada", conta o diretor jurídico do
Sindicato dos Químicos de São Paulo, Hélio Rodrigues de Andrade.
"Temos uma ação de falência dos anos 1990", lembra o sindicalista,
para quem a Justiça não é, a rigor, vagarosa.
Processos
"O volume de
processos é imenso. Processos como esses de verbas rescisórias não
podiam parar no Judiciário. Você não deveria ter de entrar com
processo para exigir o que as leis já garantem",
analisa.
Da abertura
do processo à sentença em primeira instância, o tempo, de fato, não
costuma ser tão extenso. Pode durar menos de um ano. O problema se
concentra na fase de execução, quando a sentença deve ser cumprida.
"Tem empresas que desaparecem, sócios que passam bens para
terceiros. O problema não é tanto o recurso, mas empresas que somem
e não deixam bens", diz a juíza Carolina Pacífico, do TRT de São
Paulo.
Leilões
Desde 2007, o
Tribunal adota um sistema de leilão de bens penhorados, em uma
tentativa do Judiciário de arrecadar recursos para pagamento de
direitos trabalhistas. Em 15 de dezembro, o Tribunal Superior do
Trabalho (TST) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT)
abriram consulta prévia ao Banco Nacional de Devedores Trabalhistas
(BNDT), para que os empregadores consultem sua situação em relação
ao pagamento decorrente de condenações. Segundo o TST, o ato
decorre da preocupação manifestada pelos próprios empregadores com
a entrada em vigor, em 4 de janeiro, da Certidão Negativa de
Débitos Trabalhistas - esse documento passa a ser obrigatório para
empresas que quiserem participar de licitações públicas.
Os leilões
costumam lotar os auditórios do TRT paulistano. Em geral, quem
comparece são compradores profissionais, em busca de bons negócios.
Podem, por exemplo, arrematar 320 metros quadrados de área
construída em um condomínio, avaliada em R$ 680 mil, por R$ 400
mil. Ou adquirir por R$ 25 mil um caminhão estimado em R$ 40 mil.
Às vezes pode acontecer de o valor ultrapassar o da avaliação, como
ocorreu no caso da venda de uma máquina de fabricação de cigarros,
arrematada por R$ 140 mil, duas¬ vezes¬ mais. A juíza Carolina
observa, porém¬, que existem recursos específicos para¬ esses
casos. Ou seja, alguém ainda poderá contestar o resultado dos
leilões. Se não houver recursos, o dinheiro vai para a vara¬ onde
corre o processo.
O
presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen, chama a semana da
execução de "momento de conjugação de esforços e de mobilização
para conferir maior efetividade à execução trabalhista". Mesmo com
o esforço extra, em 2011 houve acúmulo de 33 mil novas execuções,
elevando o total pendente para mais de 2 milhões.
Dez anos
atrás, uma lei também tentou agilizar ao menos parte dos processos,
criando o rito sumaríssimo, voltado para ações com valor
equivalente a até 40 salários mínimos. Mas Carolina lembra que os
aumentos do salário mínimo nos últimos anos fez crescer o número de
processos enquadrados no rito - a partir de janeiro, 40 mínimos
correspondem a quase R$ 25.000, valor que não pode ser considerado
pequeno para uma ação trabalhista.
Protelação
O presidente
da CUT, Artur Henrique, critica as protelações jurídicas que
postergam o pagamento de débitos trabalhistas, mesmo quando os
processos transitam em julgado - ou seja, já têm sentença
definitiva. "Ganha na primeira instância, na segunda, na terceira,
e volta na fase de execução. Só tem duas formas de resolver isso
rapidamente: a primeira é a organização no local de trabalho; a
segunda, obrigar o empresário a depositar em juízo, para ele sentir
que a vida é dura. Tem de mexer no bolso. O empresário faz conta.
Por que pagar se eu posso enrolar e ao final de 10, 15 anos ter um
valor bem menor?"
Especialista
no tema execução, o juiz Marcos Neves Fava afirma que o próprio
Judiciário, por vezes, alimenta a perpetuação dos recursos. "A
cultura (dos recursos) passa a ser estimulada pelos tribunais
quando os tribunais enxergam lide onde não há lide", afirmou em
entrevista recente a programa do TRT de Santa Catarina. "A lide é
resultado do conflito. Eu devo 10, o reclamante diz que a dívida é
12. Ora, até 10 não há lide, que é de 10 para cima. Dez são
incontroversos. Reconheceu 10, pague 10", exemplificou.
Com décadas
de atuação no ramo trabalhista, o advogado Luís Carlos Moro vê no
rito processual um dos fatores da alegada demora dos processos, mas
não o principal. "O que existe é uma cultura de litigiosidade e do
enfrentamento de questões simples a partir de inúmeras óticas",
diz. Por exemplo, uma ação de horas extras pode desdobrar-se a
partir de várias questões paralelas. Moro acredita que isso tende a
encolher, com "novas práticas de execução, que têm diminuído a
resistência empresarial".
Há também,
segundo o advogado, um "novo empenho" para diminuir o volume de
processos. "Nitidamente, em diversas regiões do país. Em São Paulo
ainda não se sente tanto, com 69% do congestionamento na fase de
execução." Assim, de cada 100 ações, apenas 31 são efetivamente
concluídas.
O
próprio Moro conta que seu escritório move uma ação contra a
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) há mais de 30
anos. O processo foi aberto em 1980. Quando completou "bodas de
prata", o advogado chegou a levar um bolo ao fórum. "Comeram o bolo
e me deram outro", ironiza. "Há uma visão desconectada do mundo.
Tinha de ser resolvido na primeira audiência. A empresa já gastou
no processo mais que o valor do processo." Em valores de hoje, R$ 5
mil, pelos seus cálculos.
No caso de
Everton Rodrigues de Matos, o imbróglio está prestes a se resolver.
Ele faz parte de um processo contra a antiga Cesp, que envolve
aproximadamente 2.100 trabalhadores, sendo 1.500 aposentados. A
ação é de 1994, retroativa a 1989, e envolve o pagamento de um
adicional de periculosidade - a empresa pagava os 30% apenas sobre
os salários, sem incluir outros adicionais fixos.
Após a
privatização, a empresa foi dividida em cinco - duas já fizeram
acordos e agora chegou a vez da Companhia de Transmissão de Energia
Elétrica Paulista (CTEEP). O processo foi vencido nas três
instâncias e estava em fase de cálculo. "Poderia se arrastar por
período indeterminado", lembra Everton, hoje diretor do Sindicato
dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo, 35 anos. Ele
começou aos 15 como aprendiz e tornou-se técnico, lidando com
sistema de elevação de tensão, o que significa mexer com cargas de
até 600 mil volts. O acordo feito com a empresa resultará em
indenizações conforme a função e tempo de serviço, mas o valor
total chega a R$ 40 milhões.
Desafios do
novo tempo
"Inaugura-se
agora, portanto, um novo tempo no Tribunal Superior do Trabalho",
anunciou em outubro o presidente do TST, ministro João Oreste
Dalazen. Para o ministro, a atuação de um tribunal superior da
República deve considerar a "participação social em temas de maior
relevância". Foi isso que inspirou o TST a realizar, naquele mês, a
primeira audiência pública de sua história, para ouvir
representantes da sociedade sobre o tema da terceirização. A ideia,
de acordo com Dalazen, seria superar um antigo dito segundo o qual
"o que não está nos autos (do processo) não está no mundo". Assim,
especificamente sobre o tema da audiência, "queremos trazer mais
mundo para os autos", disse o juiz.
Para o
presidente da CUT, Artur Henrique, há indicações de alteração de
uma visão conservadora, "que em vez de proteger o mais fraco
protegia mais o empregador". Ele vê sinais dessa tendência de
mudança em fatos como essa audiência pública e uma campanha pela
diminuição do número de acidentes do trabalho.
"É possível
construir uma postura mais aberta por parte do tribunal", afirma,
lembrando que Dalazen é favorável ao fim do imposto sindical e à
contratação coletiva de trabalho. O presidente cutista acredita
que, nessa nova gestão do TST, é possível cobrar de alguns setores
"mais responsabilidades e penalizações", relacionadas, por exemplo,
ao acesso a recursos.
O
advogado Luís Carlos Moro diz que ainda não há unidade, mas é
possível notar certa "ebulição" na Justiça trabalhista. "Há uma
mexida no sistema. Acho que a Justiça do Trabalho começa a se
recolocar em seu papel institucional. Há uma mudança de olhar em
direção à sociedade. Mas não se faz isso sem
resistência."
Artur
acrescenta que o conflito, "natural na relação capital-trabalho",
não pode ser resolvido pelo poder normativo do Judiciário. "No
Fórum Nacional do Trabalho, chegamos a construir uma proposta em
que ficava muito clara, muito delimitada, a atuação da Justiça do
Trabalho", lembra. Pelo que foi negociado, mas não virou lei, o
dissídio só poderia ser suscitado em caso de comum acordo. E ainda
acontecem decisões que ele considera absurdas, como determinar, em
caso de greve, a manutenção de 80% ou mais das atividades em
funcionamento.
No setor
público, isso se torna mais grave, segundo o sindicalista, porque o
governo ainda não mandou a regulamentação da Convenção 151 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da
negociação coletiva no setor público. "Ouvir frases como ‘nós não
negociamos em greve' está virando natural. Isso não existe em
nenhum lugar do mundo. A greve faz parte do processo de negociação.
As pessoas precisam estar preparadas para administrar
conflitos."
Em setembro,
o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC entregou ao governo um
anteprojeto de lei sobre acordo coletivo de trabalho. Segundo a
entidade, o objetivo é fortalecer a representação sindical nos
locais de trabalho e dar segurança jurídica à negociação
coletiva.
Com informações do Sindiacto dos Rodoviários de Sorocaba
Secretário Nacional de Comunicação da CNTTL: José Carlos da Fonseca - Gibran
Redação CNTTL
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