Pesquisadores
norte-americanos deram um passo importante para identificar as
causas biológicas da esquizofrenia, conjunto de transtornos mentais
graves que atingem cerca de 60 milhões de pessoas no mundo – por
volta de 1,8 milhão no Brasil – e se caracterizam por
distanciamento emocional da realidade, pensamento desordenado,
crenças falsas (delírios) e ilusões (alucinações) visuais ou
auditivas.
Alguns desses sinais são semelhantes aos
apresentados pelo jovem Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos,
que no início de abril matou 12 crianças em uma escola no bairro do
Realengo, no Rio de Janeiro, antes de se
suicidar.
A
equipe coordenada pelo neurocientista Fred Gage, do Instituto Salk
de Estudos Biológicos, na Califórnia, conseguiu transformar células
da pele de pessoas com esquizofrenia em células mais imaturas e
versáteis. Chamadas de células-tronco de pluripotência induzida
(iPS, na sigla em inglês), essas células foram depois convertidas
em neurônios, uma das variedades de células do tecido cerebral. O
estudo foi publicado nesta quinta-feira no site da revista
Nature.
Essa mudança forçada de função gerou o que os
pesquisadores acreditam ser cópias fiéis, ao menos do ponto de
vista genético, das células do cérebro de quem tem esquizofrenia,
que, por óbvios motivos éticos, antes só podiam ser analisadas
depois da morte.
Como são geneticamente idênticos às células
cerebrais de quem desenvolveu esquizofrenia, esses neurônios
fabricados em laboratório são importantes para compreender a
enfermidade, que tem importante componente genético, porque permite
aos pesquisadores desprezar a influência de fatores ambientais,
como o uso de medicamentos ou o contexto social em que as pessoas
vivem.
–
Não se sabe quanto o ambiente contribui para a doença. Mas, ao
fazer esses neurônios crescerem em laboratório, podemos eliminar o
ambiente da equação e começar a focar nos problemas biológicos –,
disse Kristen Brennand, pesquisadora do grupo de Gage e primeira
autora do artigo.
Segundo Gage, é a primeira vez que se
consegue criar, a partir de células de seres humanos vivos, um
modelo experimental de uma doença mental
complexa.
–
Esse modelo não apenas nos dá a oportunidade de olhar para
neurônios vivos de pacientes com esquizofrenia e de pessoas
saudáveis, como também deve permitir entender melhor os mecanismos
da doença e avaliar medicamentos que podem revertê-la –, disse o
cientista que há alguns anos demonstrou que o cérebro adulto
continua a produzir neurônios.
Depois de converter em laboratório células da
pele em neurônios, Brennand realizou testes para verificar se eles
se comportavam de fato como os neurônios originais e eram capazes
de transmitir informação de uma célula a outra. As células
cerebrais obtidas a partir de células da pele (fibroblastos)
funcionavam, sim, como neurônios.
–
Em vários sentidos, os neurônios ‘esquizofrênicos’ são indistintos
dos saudáveis –, disse.
Mas há diferenças. A pesquisadora notou que
os novos neurônios de quem tinha esquizofrenia apresentavam menos
ramificações do que os das pessoas saudáveis. Essas ramificações
são importantes porque permitem a comunicação de uma célula
cerebral com outra – e geralmente são encontradas em menor número
em estudos feitos com modelo animal da doença e em análises de
neurônios extraídos após a morte de pacientes com
esquizofrenia.
Nos neurônios dos esquizofrênicos, a
atividade genética diferiu daquela observada nas pessoas sem a
doença. Os autores do estudo viram que o nível de ativação de 596
genes era desigual nos dois grupos: 271 genes eram mais ativos nas
pessoas com esquizofrenia – e 325 menos expressos – do que nas
pessoas sem o problema.
Em
um estágio seguinte, Brennand deixou os fibroblastos convertidos em
neurônios em cinco soluções diferentes, cada uma contendo um dos
cinco medicamentos mais usados para tratar esquizofrenia – os
antipsicóticos clozapina, loxapina, olanzapina, risperidona e
tioridazina.
Dos cinco, apenas a loxapina foi capaz de
reverter o efeito da ativação anormal dos genes e permitir o
crescimento de mais ramificações nos neurônios. Esses resultados,
porém, não indicam que os outros quatro compostos não sejam
eficientes.
–
A otimização da concentração e do tempo de administração pode
aumentar os efeitos das outras medicações antipsicóticas
–,escreveram os pesquisadores.
–
Esses medicamentos estão fazendo mais do que achávamos que fossem
capazes de fazer. Pela primeira vez temos um modelo que permite
estudar como os antipsicóticos agem em neurônios vivos e
geneticamente idênticos aos de paciente –, disse a
pesquisadora.
Isso é importante porque torna possível comparar os sinais da
evolução clínica da doença com os efeitos
farmacológicos.
–
Por muito tempo as doenças mentais foram vistas como um problema
social ou ambiental, e as pessoas achavam que os pacientes poderiam
superá-las caso se esforçassem. Estamos mostrando que algumas
disfunções biológicas reais nos neurônios são independentes do
ambiente –, disse Gage.
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