"Doutor Wagner, temos um problema: a fazenda
foi vendida". A frase foi dita pelo advogado Carlos Campanha na
quarta-feira, dia 24, por volta das 15h30, ao seu cliente, o antigo
dono da Vasp. Ao conhecido empresário, Wagner Canhedo, ele contou,
pelo celular, o resultado da última tentativa de leilão da Fazenda
Piratininga, um gigantesco complexo agropecuário de 135 mil
hectares na fronteira entre Goiás e Tocantins. A propriedade foi
vendida por R$ 430 milhões ao Grupo Conagro, o único a dar um
lance. A propriedade havia sido avaliada em R$ 615
milhões.
O sucesso do leilão representa um marco
histórico para o país, pois é a primeira vez que um grupo de
trabalhadores de uma empresa falida, no caso a Vasp, receberá parte
de seus créditos fora do processo falimentar. O dinheiro arrecadado
com a venda será destinado aos cerca de oito mil ex-empregados da
companhia aérea, cuja falência foi decretada em
2008.
Em um auditório com cerca de 60 pessoas, o
leilão foi aberto por volta das 14h30 e durou pouco menos de uma
hora. Tempo suficiente para que cenas inusitadas pudessem ser
observadas. Coordenado por Antonio Carlos Seoanes, do Serrano
Leilões Jucidiais, e outros 11 leiloeiros, o evento foi aberto com
o lance mínimo e parecia que terminaria por ali mesmo, pois
passados mais de 15 minutos, nenhum interessado havia aparecido.
Sem lances, o leiloeiro anunciou que aguardaria outros 20 minutos
e, caso não aparecessem interessados, daria o evento por encerrado.
A essa altura, o advogado de Canhedo liga para seu cliente e diz
que por enquanto não há interessados.
De repente uma movimentação entre os
presentes. Um senhor se levanta da plateia, dirige-se à mesa e
conversa com a juíza Elisa Maria Secco Andreoni, que atua no Juízo
Auxiliar da execução trabalhista, e responsável pela marcação do
leilão. O leiloeiro afirma que se a fazenda não fosse vendida
naquela data, o valor mínimo do lance não seria reduzido em um
próximo leilão. "Podemos até aumentar, caso haja uma nova
avaliação", disse. O senhor que se manifestou, acompanhado por
outro homem, dá um único lance, no último segundo do leilão, e
arremata a propriedade. Ele é aplaudido pela aquisição, mas faz
mistério sobre o grupo que comprou a fazenda. Pede para que se
aguarde a chegada do diretor do conglomerado.
O fim do mistério, porém, demorou quase uma
hora para ser desfeito. Quem adquiriu a Fazenda foi o Grupo
Conagro, formado por empresas que atuam na cadeia produtiva do
agronegócio brasileiro e mundial. Segundo o diretor presidente do
grupo, Francisco Garcia Vivoni, a empresa nasceu em Londres em 2005
e foi fundada no Brasil em 2007. A companhia brasileira, no
entanto, só tem uma participação minoritária no grupo inglês, de
acordo com Vivoni. Para ele, essa é "a primeira aquisição de
muitas". E viram no leilão "uma oportunidade de negócios". Vivoni
afirma que o grupo, no entanto, não tinha participado do primeiro
leilão em razão das pendências judiciais que envolviam a
propriedade.
Com o leilão encerrado, o segundo passo
seria o pagamento naquele momento de um percentual do valor.
Segundo as regras do leilão, 15% da venda deveria ser paga à vista.
No entanto, o grupo tentava negociar o pagamento total em 20 dias.
A juíza responsável, porém, não aceitou a proposta e oito policiais
ficaram na porta do auditório, até que todo o percentual fosse
quitado, conforme previsto nas regras do certame.
A juíza Elisa Andreoni afirmou que agora
marcará reunião com o Ministério Público para definir como serão
feitos os pagamentos aos trabalhadores. "Não vamos privilegiar nem
sindicatos, nem escritórios". Ela afirma que não se sabe o total da
dívida, mas acredita que esse valor dê para pagar pelo menos o
principal dos cerca de oito mil trabalhadores que ficaram sem
receber. "Alguma coisa deve ser paga ainda no ano que vem. Queremos
começar a habilitar os trabalhadores a partir de fevereiro",
disse.
Após o certame, contente, a juíza chamou os
funcionários do Juízo Auxiliar de execução, conhecida como Vara
Vasp. "Vocês não vão me dar parabéns?", brincou. Segundo a
coordenadora do Juízo Auxiliar de execução da Vara Vasp, Meyrimar
Urzeda "é a concretização de um trabalho, o que é esperado de toda
execução. Além de ser um precedente histórico". Segundo uma
funcionária do tribunal responsável pelos leilões, foi sem dúvida a
maior venda já promovida pela Justiça Trabalhista de São
Paulo.
Uma das ex-funcionárias da antiga companhia
aérea também comemorou. "Essa juíza abraçou a causa dos
trabalhadores, o que a Vara de Falências do Tribunal de Justiça não
fez", afirma Marta Perucci, que atuava como gerente de base da Vasp
em Campinas. Ela afirma que a Vasp ficou devendo a ela 11 meses de
salário. "Soube de um ex-funcionário que se
matou".
Em meio à comemoração, o advogado de
Canhedo, Carlos Campanha, chegou a dizer para os compradores da
fazenda que o leilão estava suspenso por uma medida liminar. Nesse
momento, a juíza Elisa foi ao advogado e perguntou se ele sabia que
poderia sair preso dali. "Por favor, se quiser ficar, sente-se e
aguarde em silêncio". O advogado se retirou do auditório. Lá fora,
informou que deve recorrer novamente para tentar impugnar o leilão.
A defesa chegou a tentar suspender novamente o leilão no Superior
Tribunal de Justiça (STJ), mas não obteve
sucesso.
Os advogados do Sindicato dos Aeroviários do
Estado de São Paulo, Carlos Duque Estrada e Francisco Gonçalves
Martins, comemoraram a venda. "Isso confirma a minha crença de que
o Judiciário ainda funciona", afirmou Martins. "É um marco
histórico para os trabalhadores, que deve servir de exemplo para
todo o Brasil", acrescentou Duque Estrada.
Contexto
Os fatos que provocaram a venda da Fazenda
Piratininga para o pagamento dos ex-trabalhadores da Vasp tiveram
início em 2005. A medida só foi possível por uma ação civil pública
proposta naquele ano pelo Ministério Público do Trabalho, Sindicato
Nacional dos Aeronautas e Sindicato Estadual dos Aeroviários.
Buscava-se, com o processo, assegurar aos empregados o pagamento
dos salários atrasados e a solução de obrigações trabalhistas não
cumpridas pela Vasp. Um acordo assinado por Wagner Canhedo perante
a Justiça do Trabalho no mesmo ano, pelo qual se comprometeu a
pagar os salários atrasados dos funcionários e cumprir normas
trabalhistas, também colaborou para o desfecho de ontem. Ao assinar
o acordo, o empresário reconheceu a responsabilidade solidária de
seu grupo econômico pelo débitos trabalhistas da Vasp, caso a aérea
não os quitasse. Com a medida, as outras empresas do grupo passaram
a responder por esse passivo da Vasp, assim como os bens pessoais
dos sócios dos empreendimentos. A empresa aérea teve a falência
decretada em setembro de 2008.
Com informações do Valor Econômico.
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