Uma vitória do povo brasileiro. A vitória de um
projeto político. A vitória de uma mulher. Talvez isso poderia ser
uma boa síntese das eleições deste domingo. O Brasil que a nova
presidente encontra não é o mesmo de 2003, quando Lula assumiu. É
muito melhor. No entanto, os desafios que Dilma Rousseff tem pela
frente são enormes, sobretudo o de continuar a luta para diminuir a
desigualdade social que ainda nos afronta, preocupação que ela
manifestou sempre durante a campanha.
Tenho convicção de que a democracia está se
consolidando no Brasil. Que o povo brasileiro amadurece cada vez
mais. Que a cidadania cresceu. Que a consciência da nossa gente não
se submete mais com tanta facilidade aos chamados meios de
comunicação de massa, cujo núcleo central é escandalosamente
partidarizado. Que os grotões desapareceram de nossa cena política.
Que não há mais donos de votos no País, especialmente para as
eleições majoritárias. Que não se subestime mais a capacidade do
nosso povo.
Creio que definitivamente caiu por terra a
noção da existência de formadores de opinião situados na chamada
mídia hegemônica. Ou, dito de outra forma, a importância desses
atores diminuiu muito. O povo reage é diante das políticas
públicas, do resultado efetivo da atuação do governo face à sua
vida. Por que razão o povo brasileiro iria deixar de votar numa
candidata que representava a continuidade de políticas que o
beneficiaram tanto nos últimos anos e trocá-la por outro, que
representava tão nitidamente políticas que o prejudicaram
enormemente, como o governo Fernando Henrique
Cardoso?
Penso muito no desprezo que alguns daqueles que
se acreditam formadores de opinião tem pelo povo brasileiro. Não se
conformam com a popularidade do presidente Lula, tentam
desqualificá-lo o tempo inteiro, confrontando-se com índices de
aprovação superiores a 80%. E embarcaram de forma resoluta na
tentativa de desqualificação da candidata Dilma Rousseff, inclusive
na sordidez que envolviam os falsos dossiês sobre sua atuação
política ou, ainda, sobre o odioso caso da posição diante do
aborto.
O povo brasileiro elegeu Dilma com muita
consciência de que apoiava um projeto político. Há aqueles que
atribuem a eleição de Dilma apenas ao inegável carisma do
presidente Lula, e não há dúvida de que isso contou. Parafraseando
Caetano Veloso, que referiu-se a Roberto Carlos dizendo a gente
sabe a quem chama de rei, o povo sabe a quem chama de
líder.
Lula é o maior líder político e popular da
história do Brasil. No entanto, não fosse o extraordinário governo
feito nesses oito anos, com resultados nunca antes vistos, para
melhor, nas condições de vida do povo brasileiro, e certamente não
bastaria o carisma do presidente Lula.
O carisma se afirmou por conta, sobretudo, das
políticas públicas que foram levadas a cabo pelo governo, fruto de
um projeto político pensado pelo PT, desenvolvido com mais
consistência entre o final dos anos 90 e início do novo milênio.
Claro que esse projeto encontrou um ator singular, de uma
capacidade rara, de uma intuição política fantástica, e que soube,
portanto, dar consistência a tudo que havia sido pensado pelo
PT.
O partido compreendeu a complexidade do Brasil.
Superou quaisquer tentações isolacionistas, procurou alianças
amplas e pensou uma revolução de longo prazo, uma revolução
democrática, que enfrentasse a profunda desigualdade social que nos
afronta há séculos, que situasse a Nação de forma soberana na arena
mundial. Desde o seu nascimento, o partido havia superado a
dicotomia entre socialismo e democracia. E no projeto concebido
mais recentemente certamente reafirmou para si mesmo que o processo
de mudanças no Brasil se daria no leito democrático, do qual nunca
abriu mão.
E pôde experimentar nesses oito anos, ao lado
dos partidos aliados que chamou para o projeto, o quanto é possível
mudar o Brasil, as condições de vida do povo brasileiro, no
exercício pleno da democracia. Tirar quase 30 milhões da pobreza
absoluta e elevar mais de 30 milhões da pobreza à classe média é o
maior triunfo desse projeto. Foi nele que o povo
votou.
E foi a vitória de uma mulher. A vitória da
mulher brasileira. O ano de 2002 marcou um fato inédito na história
do Brasil: a eleição de um presidente operário. Agora, o povo
brasileiro produz outro fato inédito: pela primeira vez elege uma
mulher.
Nunca se viu um ataque tão descabido, tão
sórdido, tão abaixo da linha de cintura à figura da mulher como foi
feito pela campanha do candidato adversário. Nossas ilusões nos
levaram a pensar numa campanha de bom nível, face ao passado de
Serra. Foi um grave engano.
Nunca o nível baixou tanto, e contra uma
mulher. E procurando buscar nos recantos obscuros da alma da
sociedade brasileira os elementos que suscitassem o ódio, que
alimentassem os preconceitos, que suscitassem a raiva contra a
mulher, contra todas as mulheres, e especialmente contra aquelas
que eventualmente tivessem que recorrer ao
aborto.
E a chamaram despreparada, e a chamaram
teleguiada, e quiseram-na sem vida política, e a denominaram
terrorista, como se terroristas fossem todos os que resistiram à
ditadura. E semearam mentiras, e fizeram milhões de telefonemas
clandestinos com toda sorte de calúnias contra
ela.
E ela ganhou. Ganhou a grande mulher que é
Dilma, que soube superar uma doença, que não se abalou com a
sordidez que se alevantou contra ela, e se torna assim a nossa
primeira presidente mulher. As mulheres do Brasil estão em festa. E
os homens também. Há um caldo de revolução cultural na eleição
dessa mulher. Os homens viverão uma experiência nova: a mulher que
sempre soube cuidar dos filhos e da casa, e que nunca deixou também
de viver intensamente a vida pública, irá agora dirigir os homens e
mulheres do Pais, cuidar com imenso carinho de todo o povo
brasileiro, acelerando o processo de distribuição de renda iniciado
com tanta firmeza pelo presidente Lula.
Emiliano José é jornalista, escritor, doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia.
Com informações da Carta Capital.
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