Para cada
ponto percentual de queda no índice de Gini brasileiro, a China
eleva em 1,4 ponto a desigualdade na renda Uma das principais
novidades surgidas no contexto de evolução da crise global de 2008
encontra-se justamente na recuperação econômica mundial atual, cada
vez mais determinada pela dinâmica dos países não desenvolvidos. O
fato de nações como China, Brasil e Índia responderem por mais da
metade do crescimento econômico pós-recessão mundial acontece pela
primeira vez desde a Grande Depressão de 1929.
Em contrapartida, o conjunto das nações desenvolvidas parece, cada
vez mais, prisioneiro do ciclo vicioso originado pela nova
reprodução da armadilha japonesa, constituída desde 1991 por força
do tipo de crise que se abateu naquele país. Ou seja, a combinação
da anorexia do consumo familiar com a retenção e adiamento dos
investimentos das empresas, acrescido do desajuste fiscal e de
medidas ortodoxas de contenção do gasto social. O resultado disso
reflete-se na deterioração da confiança nacional potencializada
pelo risco da deflação em meio à onda das desvalorizações cambiais
competitivas e, infelizmente, o ressurgimento da marcha
protecionista. Na sequência do desemprego em alta, ocorre a
elevação nas taxas de pobreza e de suicídios entre os países
desenvolvidos.
Não parece haver dúvidas de que o abandono atual, pelos países
ricos, da convergência das políticas anticíclicas adotadas na crise
de 2008 aponta para um período relativamente longo de convivência
com o baixo dinamismo econômico e piora na distribuição de renda.
Ademais, a prevalência de enormes assimetrias de poder entre a
força e os interesses das grandes corporações transnacionais e o
apequenamento das ações dos Estados nacionais, aliada ao contínuo
esvaziamento das instituições multilaterais, tende a tornar mais
distante a coordenação urgente e necessária da governança
mundial.
Tal como na Grande Depressão de 1873 a 1896, que acompanhada pelo
circuito da industrialização retardatária ocorrido na Alemanha e
nos Estados Unidos, permitiu surgir - meio século depois - o
deslocamento do centro dinâmico mundial assentado na hegemonia
inglesa, se percebe hoje, guardada a devida proporção, o
aparecimento de novas polaridades geoeconômicas no desenvolvimento
global. China, Brasil e Índia são crescentemente apontados como
nações portadoras de futuro e de grande potencial necessário para
assumir maior centralidade na dinâmica do desenvolvimento
mundial.
Por conta disso, se deve procurar compreender como o comportamento
do crescimento econômico e do padrão de distribuição de renda,
especialmente na China e no Brasil, se tornam referência de como o
novo mundo poderá mover-se, com maior ou menor expansão e ampliada
ou contida desigualdade na repartição da renda. Ainda que se trate
de países muito diferentes, Brasil e China apresentam tendências
recentes distintas em relação ao crescimento econômico e à
repartição da renda nacional entre seus habitantes.
No Brasil, por exemplo, observa-se que para cada 1 ponto percentual
de expansão da economia, a China consegue crescer 2,5 pontos
percentuais a mais. Entre 1995 e 2010, o Produto Interno Bruto
(PIB) brasileiro foi multiplicado por 1,6 vez, enquanto o PIB
chinês foi multiplicado por 3,9 vezes. O modelo veloz de
crescimento econômico da China praticamente não se alterou entre
1995 e 2003, e de 2004 a 2010 (crescimento médio anual de 10%), ao
contrário do Brasil, que registrou expansão média anual de 2,1% de
1995 a 2003, e de 4,5% de 2004 a 2010.
Por outro lado, se percebe divergência importante em relação ao
padrão de desigualdade na repartição de renda entre os brasileiros
e chineses. Entre 1995 e 2010, o índice de Gini aumentou 21% na
China, enquanto no Brasil caiu 14%. Ou seja, para cada 1 ponto
percentual de queda no índice de Gini brasileiro, a China eleva em
1,4 ponto percentual o grau de desigualdade na renda. Interessante
notar ainda que, de 1995 a 2001, o comportamento no índice de Gini
se manteve relativamente inalterado, apesar das oscilações anuais -
de 2,6% para mais na China e de 0,83% para menos no Brasil.
Todavia, se constata que a partir daí houve uma grande
diferenciação na trajetória da repartição da renda na China e no
Brasil. Com o crescimento econômico maior no Brasil, o
comportamento do índice de Gini tornou-se mais decrescente
(-12,2%), ao passo que a China, que manteve inalterada a trajetória
de alta expansão do PIB, passou a registrar ampliado aumento no
grau de desigualdade na repartição pessoal da renda (+17,9%).
Em síntese, se nota que desde 2004 o PIB brasileiro tem crescido,
como média anual, quase a metade do ritmo de aumento do Produto
Interno Bruto chinês, ao contrário do período anterior (1995 e
2003), quando a expansão econômica brasileira representava somente
25% do crescimento do PIB chinês. Com a maior expansão das
atividades da economia brasileira no período recente, houve
concomitantemente o aprofundamento da queda no grau de desigualdade
da renda pessoal, diferentemente da situação chinesa, com forte
piora na repartição do conjunto dos rendimentos dos seus
habitantes.
Essas diferenças tornam-se importantes e devem ser ressaltadas,
especialmente quando se avaliam as novas trajetórias mundiais
possíveis a partir da sequência da crise nos países desenvolvidos
iniciada em 2008. Não obstante o menor ritmo de crescimento
econômico, o Brasil revela melhor trajetória de repartição da renda
em relação ao desempenho chinês recente.
Márcio Pochmann é professor licenciado do Instituto de
Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho
da Unicamp e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea).
Com informações do Valor Econômico.
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