O Portal CNTT divulga artigo de Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Publicação: 27/08/2010
A política externa dos últimos anos indica o
quanto o Brasil não mais aceita ser liderado, desejando cada vez
mais contribuir para uma nova fase do desenvolvimento mundial.
Atualmente, por exemplo, o país, juntamente com Índia e China,
tornou-se um dos principais responsáveis pelo movimento de
recuperação econômica mundial, o que não se observava desde a
Depressão de 1929.
Diante dos sinais de relativa decadência dos Estados Unidos,
abre-se um novo cenário para o desenvolvimento multipolar, assim
como ocorreu durante a longa depressão de 1873 a 1896, quando a
antiga hegemonia inglesa começou a ceder lugar frente à relativa
ascensão econômica da Alemanha e dos Estados Unidos, entre outros
países. Somente com o encerramento das duas grandes guerras
mundiais do século XX , o mundo capitalista se hierarquizou
centrado nos Estados Unidos, uma vez que o bloco das economias
centralmente planejadas orbitou em torno da União Soviética.
O fim da guerra fria, na sequência do desmoronamento das
experiências de socialismo real, representado pela queda do muro de
Berlim ao final da década de 1980, concedeu aos Estados Unidos uma
condição de potência unipolar do mundo. Isso, porém, parece ter
apresentado limites, conforme indicam as consequências atuais da
crise global geradas pela queda figurada do muro de Wall Street, em
2008. Ademais dos Estados Unidos e da União Europeia, aparecem em
perspectiva dois novos centros regionais na Ásia e no sul do
continente americano.
Para que o Brasil possa perseguir a trajetória da liderança
conjunta de um novo desenvolvimento suprarregional, torna-se
indispensável considerar três aspectos fundamentais. O primeiro
encontra-se centrado na necessária geração de moeda supranacional,
com capacidade de viabilizar as três funções clássicas da moeda
(unidade de conta, troca e valor) para além do espaço nacional.
Dessa forma, podem ser fincadas as novas bases de um padrão
monetário e de financiamento do desenvolvimento sul-americano.
O segundo aspecto vincula-se ao destravamento do sistema de
produção e difusão tecnológica. Isso já vem ocorrendo em algumas
áreas importantíssimas como energia (etanol) e agropecuária, entre
outras, mas precisa avançar mais rápida e amplamente para outros
setores estratégicos que permitam elevar o valor agregado em
distintas cadeias de produção. Por fim, o desencadeamento do
complexo produtivo e tecnológico para o sistema de defesa nacional,
uma vez que diante de tantas riquezas – nem todas ainda plenamente
conhecidas – segue o país desprotegido internamente nas enormes
dimensões fronteiriças.
Tudo isso, é claro, não ocorrerá espontânea e naturalmente.
Torna-se fundamental o comando por parte de uma maioria política
democrática e capaz de colocar em movimento o verdadeiro potencial
brasileiro. O sistema de planejamento estratégico nacional precisa
ser recuperado democraticamente em novas bases, necessárias para
afiançar o desenrolar dos investimentos públicos e privados de
médio e longo prazo para além da infraestrutura econômica e
social.
Entre 1960 e 1980, por exemplo, o Brasil multiplicou por 1,7 a sua
presença na economia mundial, passando de 1,45% para 2,42% do
Produto Interno Bruto (PIB) mundial. De lá para cá, a participação
econômica do Brasil no PIB do mundo decaiu 12,4%, pois atingiu, em
2008, 2,14% do PIB mundial. Na comparação com o ano de 2003
(1,99%), que registrou a pior situação experimentada pelo país
desde 1980, a participação do Brasil cresceu 7,5% na relação com a
economia mundial. Mesmo assim, ainda está abaixo da participação
verificada em 1980.
Ao fortalecer o setor produtivo, sem desconsiderar a
sustentabilidade ambiental e social, o Brasil passa a assumir uma
posição estratégica ainda maior no cenário internacional. Mas isso
não ocorre tranquilamente, tendo em vista a existência de distintos
interesses organizados que se articulam em torno da volta da
financeirização da riqueza e da defesa da produção e do emprego,
bem como da herança colonial que muitas vezes continua ativa e
aprisionadora do pensamento liberal-conservador.
A libertação das mentes para o novo é mais do que a ousadia de quem
constata que o conjunto de oportunidades que bate à porta dos
brasileiros representa a concretização do ideário que nasceu
contido na Independência nacional em 1822 e ganhou os ares
abolicionistas do final do século XIX, logo interrompidos pela
regressão do agrarismo da República Velha.
Marcio
Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea).