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Nem os anos Merkel, em que a Alemanha lidera a política de austeridade que impõe enormes sacrifícios à sociedade em toda a Europa, conseguiram mudar uma prática solidária que os trabalhadores alemães adotaram a partir da década de 1970.
É preciso voltar no tempo para entendê-la. Nos anos 1950, a Alemanha Ocidental enfrentava dois desafios: reconstruir sua economia, devastada pela Segunda Guerra, e evitar que a sedução comunista, tão próxima, inclusive territorialmente, conquistasse o coração dos trabalhadores.
Naquele momento, mais precisamente em 1952, governo, empresários e organizações sindicais decidiram abrir espaço para os trabalhadores participarem da gestão das empresas privadas alemãs, dando-lhes assentos em comissões e outros espaços de compartilhamento da administração. E nas grandes corporações, vagas nos conselhos de administração de cada uma delas.
Estava criada a ferramenta da cogestão, em determinados casos com representantes ocupando número igual de vagas àquelas reservadas para os representantes patronais. E com o mesmo direito a voto em algumas decisões sobre as empresas.
Previsto em lei
A legislação alemã sobre cogestão estabelece diferentes níveis de intervenção dos conselheiros, desde o acesso a informações até direito a voto e a veto em certas decisões das empresas. Empresas a partir de cinco funcionários já devem, pela legislação, ter espaço de representação de trabalhadores na administração. Já os conselhos, internacionalmente conhecidos como boards, são realidade nas grandes corporações, que negociam ações em bolsas.
Reivindicação antiga
A cogestão era uma reivindicação antiga do movimento sindical alemão, anterior mesmo à Primeira Guerra Mundial. A polarização instaurada pela Guerra Fria e os esforços da Europa capitalista para construir o Estado de Bem Estar Social – com implementação de políticas públicas de distribuição de renda e assistência social que permitiram à região viver posteriormente 50 anos de forte desenvolvimento econômico – propiciou as condições para que a bandeira defendida pelos sindicatos, finalmente, fosse implementada.
Mas foi depois de 1977 que os trabalhadores, ligados à central DGB, decidiram algo que ampliaria o alcance da cogestão. Os representantes que fossem eleitos pela base para ocupar as vagas rotativas nos conselhos de administração passariam a doar a remuneração relativa ao cargo para a fundação Hans Böckler, então recém-criada pela central sindical DGB.
Sim, em lugar de ficar de posse desse dinheiro – o que nada tem de errado ou imoral – o conselheiro o repassa a uma entidade de classe. Em valores de hoje, cada um dos conselheiros que representam os trabalhadores na Daimler, por exemplo, recebe anualmente 120 mil euros (R$ 438 mil).
“Dieese alemão”
A fundação Hans Böckler, cujo nome homenageia o líder sindical alemão que protagonizou a luta pela cogestão durante a primeira metade do século XX, investe em programas educacionais para os trabalhadores e trabalhadoras – desde cursos de formação a pós-graduação –, em pesquisas para subsidiar a atividade sindical, em estudos macroeconômicos com o olhar dos trabalhadores, bolsas de estudos e execução de projetos encomendados. Seria uma espécie de Dieese alemão.
Essa decisão continua sendo respeitada, mesmo no cenário atual, em que as políticas adotadas pelos governos europeus, alemão à frente, tentam estimular a concorrência predatória entre os cidadãos, largados a uma espécie de “salve-se quem puder”.
Essa história foi abordada no último dia 28, durante seminário internacional promovido pela Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM/CUT), em parceria com a fundação Hans Böckler. Veio à tona em breve citação de Valter Sanches, trabalhador da Daimler e secretário de Relações Internacionais da CNM. Em função da articulação entre os sindicatos alemães e brasileiros, Sanches também foi eleito para o conselho de administração da sede alemã da multinacional.
Controle pela base
Ele explicou, depois de encerrado o debate, que a decisão de doar a remuneração relativa ao cargo, uma espécie de pró labore, é um entendimento, não uma lei. A forma de a DGB supervisionar a conduta dos conselheiros é publicar, ao final do ano, a relação dos que doaram e dos que não doaram. O efeito simbólico é decisivo. “Todos doam, porque uma atitude contrária seria muito ruim diante da base dos trabalhadores”.
Niklaas Hofmann, diretor do Escritório Regional da DGB Bildungswerk para a América Latina, explica que não é obrigatório ser filiado à central para que o trabalhador concorra a uma vaga no conselho de administração das empresas alemãs. “Mas a grande maioria dos eleitos tem um trabalho sindical de base, é sindicalizado”, diz.
Hofmann explica que a fundação Hans Böckler realiza em média mais de 100 programas anuais por todo o mundo, além da programação fixa na Alemanha. O site da entidade informa que seu orçamento anual gira em torno de 67 milhões de euros, vindos de doações, de uma dotação do Ministério da Educação e de projetos que firmam em parceria com outras entidades.
Da CUT
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