CODESA: "Espírito Santo está sendo cobaia de um processo de privatização", alerta especialista

Em artigo, o doutor em Economia pela UNICAMP, Guilherme Narciso de Lacerda, faz uma reflexão que somente os trabalhadores vêm alertando os prejuízos da venda empresa portuária

Por: Guilherme Narciso de Lacerda, doutor em Economia pela Unicamp
Publicação: 23/06/2021
Imagem de CODESA:

A PRIVATIZAÇÃO DA CODESA E A PASSIVIDADE ESTADUAL

Guilherme Narciso de Lacerda (*)

 

É impressionante como a privatização da CODESA avança enquanto o governo estadual, os grupos políticos, os empresários diretamente envolvidos e, enfim, a sociedade como um todo, assistem passivamente ao processo. Apenas os trabalhadores até agora têm manifestado sua posição discordante; eles estão sós nesse desafio de mostrar os riscos embutidos no que está em andamento. 

Será que, de fato, os que aceitam ou que defendem a venda sabem o que virá? Será que sabem o modelo que está sendo proposto? Receio que não, e receio também que os operadores portuários atuais estejam cochilando não se preparando para um acontecimento que os ameaçará. 

É possível que muitos não reajam por uma postura ideológica estreita; nem sabem como será, mas defendem por princípio e se apegam em informes enganosos de que a alienação das ações da CODESA levará a maiores investimentos. Um grande engano. E convido aqueles que discordam que demonstrem a causalidade dos maravilhosos números de investimentos citados. 

Mais uma vez, o Espírito Santo está sendo cobaia de um processo de privatização. Foi assim em 1994, quando a Escelsa foi a primeira a inaugurar o ciclo de transferência das distribuidoras elétricas para o setor privado. Naquele tempo, o ES pagou o preço pela forma açodada em que a alienação se deu, inclusive com a venda das ações do governo estadual apenas para fazer caixa e pagar as despesas públicas correntes. 

O desenvolvimento capixaba não se explica sem o seu complexo portuário. A importância dos terminais que o compõem não se inaugurou com Tubarão, embora este, por seu tamanho e complexidade, seja, de longe, o fator mais determinante na transformação da economia capixaba. Mas, mesmo antes, ainda quando o ES se desenvolvia em torno do café e do comércio o porto de vitória foi a mola mestra para a nossa economia. 

Tudo isso está passando ao largo, como se fosse de menos importância e como se a futura alienação fosse de fato inaugurar uma condição mais promissora para as atividades portuárias. Isso não ocorrerá. Anotem e verão. A venda das ações federais da CODESA no modelo proposto visa essencialmente a geração de caixa, com a seleção da máxima outorga a ser oferecida. Ou seja, haverá a transferência de um ativo localizado no estado para simplesmente fazer caixa no orçamento público federal.

Não se advoga que se fique de braços cruzados e não se busque alternativas para agilizar investimentos no setor portuário. De fato, é preciso superar o estágio atual de dificuldades burocráticas para uma contratação de serviços de dragagem e derrocagem (retirada de rochas) do canal ou de qualquer outra obra para ampliar e melhorar as vias de acesso e as retroáreas. Mas, a alienação das ações não é a única e nem a melhor alternativa para agilizar investimentos. O debate sobre o tema precisa ser ampliado, com urgência, embora já tenha ocorrido a etapa da audiência pública. 

A relação entre os operadores portuários atuais – todos privados - e a futura controladora da administradora do porto de Vitória (inclui Barra do Riacho) será marcada pela negociação entre privados. Todos os parceiros visam lucros e buscam alternativas de contenção de custos. Até aí tudo bem. Mas, quem assegurará que as negociações de interesses privados serão sempre as melhores para o desenvolvimento estadual? As leis e normas regulatórias estabelecem os limites para os preços públicos e até agora está definido que os operadores portuários não poderão participar da disputa. Essas travas serão mesmo suficientes para assegurar que os terminais daqui continuem tendo atratividade mercadológica? 

Há alternativas mais adequadas para agilizar investimentos e, no caso da privatização da CODESA, a ideia de alienar as ações, seguindo o único caso em que isso foi feito, que é o australiano, não é o melhor. A CODESA deu um excelente resultado financeiro no último exercício. Ela pode ser ainda mais eficiente. É indispensável criar todas as barreiras possíveis para impedir atuações impróprias.  

A transparência e o profissionalismo na gestão operacional poderiam contemplar, por exemplo, uma parceria pública privada – PPP, em que os serviços de zeladoria e de obras dos portos passariam para um concessionário, que teria metas a cumprir e seria remunerado de acordo com o atingimento delas. Nesse modelo, estaria mantido no âmbito público operacional a gestão do contrato com a concessionária e também com todos os operadores de terminais autorizados. Outras inovações também poderiam ser implantadas. O governo federal poderia até mesmo dispor de parte de suas ações e construir uma gestão compartilhada com os demais acionistas.

O governo do Estado já discutiu as conveniências e as restrições para aumentar sua participação acionária? Por que até agora não foi feita uma proposta para vincular a receita arrecadada com a venda com um plano de investimentos no estado?

O ativo que está aqui desde o início do século XX é federal no papel, mas sua função social e seu valor econômico pertencem ao estado onde ele está instalado. Porque não alterar o formato de maior outorga e estabelecer a licitação em função de maiores investimentos? Da forma em que está colocada a privatização, a regulação pública se desloca apenas para a ANTAQ. É bom para o nosso estado excluir daqui qualquer função fiscalizadora e de atuação estratégica? 

Enfim, há muitas questões que deveriam ser enfrentadas antes que o martelo seja batido. O tema é de suma importância para o estado e deveria ser alvo de profundo debate nas instâncias de poder político e nas instâncias das representações econômicas locais. No futuro, quando se olhar para a história da economia e da sociedade capixaba, muitos irão perguntar, “essa venda ocorreu assim mesmo, sem mais nem menos? E o que fez, naquela época, o governador e as lideranças políticas e econômicas do nosso estado?

 

*Guilherme Narciso de Lacerda, doutor em Economia pela Unicamp, mestre em Economia pelo IPE-USP, professor universitário. Foi diretor do BNDES (2012-2015). Autor do livro “Devagar é que não se vai longe – PPPs e Desenvolvimento Econômico”, recém-publicado pela Editora LetraCapital.



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