Roberto Parizotti
Neste 20 de novembro de 2018, Dia da Consciência Negra, a população negra brasileira não tem nada a comemorar. Depois de 14 anos de avanços conquistados com muita luta durante os governos democráticos e populares do PT, os retrocessos registrados no governo do ilegítimo Michel Temer (MDB-SP) tendem a se intensificar com a posse, em janeiro de 2019, do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).
Enquanto os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff tinham consciência da dívida histórica que o país tem com a população negra, Temer e Bolsonaro ignoram temas como combate a discriminação e injustiça racial.
Uma das primeiras medidas de Temer foi acabar com o status de ministério da Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), criada por Lula, em 2003, primeiro ano do seu governo. Já Bolsonaro deu diversas declarações desrespeitosas, tratando os negros brasileiros com desprezo e falta de consideração.
Mas, o movimento e os trabalhadores e trabalhadoras negras não se deixam intimidar e prometem não largar a mão de ninguém, organizar a resistência e a luta por direitos e respeito independentemente das ideias reacionárias do novo presidente.
“Nós temos um desafio muito grande que é como a gente vai fazer o enfrentamento a tudo isto que está colocado”, diz a secretária de Combate ao Racismo da CUT, Maria Júlia Nogueira.
O que faremos para barrar tudo será com união, mobilização e organização de toda sociedade brasileira em nome de um país mais justo e menos desigual
A luta e as conquistas do movimento negro
A criação da SEPPIR nasceu do reconhecimento das lutas históricas do Movimento Negro brasileiro e foi uma das principais conquistas da população negra depois de mais de 500 anos de história do Brasil.
Considerada um marco na promoção dos direitos de igualdade de oportunidades, saúde, educação e à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana, a SEPPIR trouxe outras vitórias para a população negra, como o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Estatuto da Igualdade Racial, Cotas Raciais nas Universidades Públicas e no serviço público federal, a Lei nº 10.639, que altera a grade curricular para inserir nas escolas públicas e privadas o ensino da história e da cultura da África e dos afrodescendentes, entre outras.
Para secretária de Combate ao Racismo da CUT, Maria Júlia Reis Nogueira, o Estado compreendeu com Lula qual era o seu papel no combate ao racismo e na construção da igualdade racial, pautas mínimas para a garantia da democracia e justiça social.
“A participação efetiva do poder público foi fundamental, mas as entidades do movimento negro nacional organizado também participaram, e esse passou ser o espaço de construção de debate coletivo no movimento apontando para o governo políticas de promoção da igualdade racial que nós gostaríamos de ver inserida na República”, afirmou Júlia.
Desigualdade continua
Mesmo com todas as conquistas a desigualdade continua. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que leva em consideração critérios como educação, expectativa de vida e renda per capita, ao ser desmembrado por grupo racial, demonstra que há um abismo de 61 países entre o Brasil negro e o Brasil branco.
No ranking de qualidade de vida, os brancos ficam em 46º lugar e os negros em 107º lugar, pior que todos os países africanos, inclusive a Nigéria e a África do Sul.
“Só com a maior participação do Estado com mais políticas afirmativas é que poderíamos acabar com a desigualdade racial, mas o que estamos vendo é a proximidade de mais retrocessos. Com Temer já foi um desastre para a população negra, com Bolsonaro a tendência é piorar”, afirmou Júlia.
Uma onda de retrocessos
Segundo Júlia, Bolsonaro já deu sinais de mais retrocessos que ameaçam ainda mais a população negra. Antes mesmo de ser candidato, o deputado Bolsonaro votou a favor de projetos de retirada de direitos, como a reforma Trabalhista, e votou contra a PEC das domésticas, que garantiu um mínimo de direitos para a categoria, formada em sua grande maioria por mulheres negras.
Durante a campanha, em suas redes sociais e em entrevistas para uma parte da mídia comercial, Bolsonaro prometeu diminuir ou acabar com as cotas raciais nas universidades, reduzir maioridade penal, reverter regularização de terras quilombolas, dar carta branca para policiais matarem e disse, também, que iria romper com a Organização das Nações Unidas (ONU), o que significaria romper todos os tratados internacionais de direitos humanos.
“Todas as medidas anunciadas pelo presidente eleito vão afetar diretamente a vida da população negra, que já é a que mais morre, a mais encarcerada, a que mais fica desempregada, a mais analfabeta e a que tem renda menor e trabalho precário”, afirmou a secretária de Combate ao Racismo da CUT.
Além disso, também nas redes sociais, o presidente eleito mostrou por meio de posts como ele alimenta a cultura da violência racista.
Eu fui em um ‘quilombola’ em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas [unidade de medida para peso de gado]. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais
Ao tratar do tema educação, Bolsonaro defendeu sem constrangimento a meritocracia. O candidato já havia exposto sua opinião durante sua vida parlamentar:
“Negro? Qual a diferença minha pra um negro? Ele é inferior a mim? O Joaquim Barbosa chegou lá como? O Obama chegou lá como? É mérito! Se nós queremos democracia, meritocracia, né? Tem que ser desta forma”
No país, os negros representam 54% da população, segundo dados de 2015 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No grupo dos 10% mais pobres, os negros representam 75% das pessoas, mas entre o 1% mais rico, somam apenas 17,8% dos integrantes.
“Não tem como tratar igual os desiguais. A história do Brasil nos mostra que quem tem dinheiro paga as escolas de seus filhos e prepara estas crianças para disputar as vagas nas universidades públicas. E o pobre que não tem o ensino adequado quando chega para disputar a universidade ele vai pagar, porque ele não tem como disputar com quem se preparou”, destacou Júlia.
Em mais de 80 páginas do plano de governo do então candidato, Jair Bolsonaro, a equipe dele não cita em nenhum momento as palavras negro, negra, indígena, etnia e raça, muito menos existem propostas de políticas de ações afirmativas.
“Em 518 anos de história, houve apenas um pequeno intervalo de 14 anos em que a população negra teve seus direitos reconhecidos e acesso a cidadania. O que nos preocupa com o novo governo é que os retrocessos sejam enormes e a desigualdade aumente ainda mais”, destacou Júlia.
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