Arte: ONU
Dois anos após o Brasil assinar o compromisso com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) nenhum avanço em qualquer dos 17 temas foi registrado até agora. Ao contrário, as organizações que compõem o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 consideram que as políticas implementadas desde então configuram graves retrocessos que se contrapõem ao cumprimento dos objetivos. “A principal ação até agora foi a criação da comissão nacional para acompanhar a implementação dos ODS. O que só ocorreu após forte pressão da sociedade”, destacou Maitê Gauto, coordenadora de Políticas Públicas da Fundação Abrinq.
Os ODS são 17 objetivos com 169 metas que buscam erradicar a miséria, combater as desigualdades e promover o desenvolvimento econômico sustentável. O documento foi assinado em 25 de setembro de 2015, durante reunião da ONU, em Nova Iorque. Em junho deste ano, o governo de Michel Temer apresentou seu primeiro Relatório Nacional Voluntário para a Agenda 2030, limitado a seis temas.
As organizações foram impedidas de participar da construção do documento e elaboraram um relatório paralelo, intitulado Relatório Luz da Agenda 2030, indicando manipulações de dados, contradições e a falta de indicadores, que ainda devem ser criados pelo governo federal.
“O governo entende que a sociedade civil tem pouco a contribuir na elaboração dos indicadores. Nós avaliamos que o modelo de gestão pública atual, diante do cenário de crise que estamos vivendo, vai na contramão de tudo que os ODS pregam e demandam”, avaliou Maitê. Ela lembrou que, durante o acompanhamento dos Objetivos do Milênio, também da ONU, as organizações perceberam que os resultados apresentados pelo governo federal podem mascarar a situação real de estados e municípios. Por isso defendem a atuação junto às cidades para melhor acompanhar o processo.
“É assim que que poderemos fazer o contraponto da atual agenda política do país”, afirmou Fábio Paes, da ONG Aldeias Infantis. Para ele, medidas como o ajuste fiscal, o teto de gastos – efeito da emenda constitucional 95, aprovada no final do ano passado – as reformas trabalhista e da Previdência, além de cortes severos no orçamento da Assistência Social (98%) e da reforma agrária (95%) "estão na contramão da erradicação da miséria”, como destacou, em menção ao ODS de número 1.
O economista Francisco Menezes, colaborador da Action Aid, destacou que o Brasil evoluiu muito em segurança alimentar (ODS 2) entre 2004 e 2013, com a condição de alimentação segura indo de 60% para 74% da população. “Os índices eram animadores. Porém, a proposta orçamentária (do governo Temer) traz números que vão colocar em risco a população”, afirmou. Ele citou o programa de construção de cisternas, que contará com uma redução superior a 90% do orçamento, “na maior seca em 100 anos na região do semiárido”. Além disso, o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar terá redução de 99% em 2018.
Apesar dos problemas, o coordenador da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis, Jorge Abrahão, demonstrou otimismo com a possibilidade de atuação da sociedade civil. “O desafio que temos nessa Agenda 2030 é fazer um trabalho de longo prazo, construindo avanços até 2030. Claro que causa indignação cada política pública desfeita agora. Mas não podemos nos iludir com o curto prazo. O governo atual só se preocupa em se manter no poder. Se conseguirmos fazer desta agenda uma política de Estado, entendendo que até 2030 teremos muitos governos, de diferentes partidos, teremos uma maior possibilidade de avançar na construção dos objetivos”, avaliou.
Para Abrahão, o foco deve ser o avanço nos municípios. “Se as cidades conseguirem alocar as verbas em áreas prioritárias, podem ter avanços e ainda economizar dinheiro. Além disso, muitas organizações de cooperação internacional vão cobrar alinhamento com os ODS para financiar projetos. Projetos relacionados a essa agenda global vão abrir portas”, concluiu.
Confira as principais recomendações da sociedade civil brasileira no relatório:
Objetivo 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares
Dar maior atenção aos indicadores de desigualdade, ao mesmo tempo identificando e intensificando políticas que contribuam para sua redução
Objetivo 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável
Fortalecer a agricultura familiar de base agroecológica, na sua função de produção de alimentos em quantidade, qualidade e diversidade, contribuindo de forma integral no atendimento ao objetivo de desenvolvimento sustentável
Objetivo 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades
Fortalecer a participação da sociedade civil organizada no monitoramento do serviço público de saúde, inclusive fortalecendo os Conselhos de Saúde e acatando efetivamente suas deliberações nos três níveis de administração pública
Objetivo 5. Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas
Ofertar serviços de saúde integrais, amigáveis e não discriminatórios para meninas e mulheres, especialmente no que se refere aos seus direitos sexuais e direitos reprodutivos, garantindo acesso a métodos contraceptivos e ao aborto legal
Objetivo 9. Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação
Garantir a isonomia de condições de competitividade no país, com o Estado exercendo seu papel por meio de correções às distorções do mercado, com vistas ao desenvolvimento social e a preservação do meio ambiente
Objetivo 14. Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável
Ampliar a participação das organizações da sociedade civil e organizações científicas na tomada de decisões para implementar os mecanismos relacionados ao ODS 14 nas esferas municipal, estadual e federal
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