Infraero - pista
Na contramão do mundo, governo vende aeroportos para estatais de países estrangeiros e consórcios de fundos de pensão por valores semelhantes aos pagos na compra de alguns apartamentos de luxo.
Apesar do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) ter comemorado como grande feito a venda de 22 aeroportos por R$ 3,3 bilhões, cada um custou aos compradores a bagatela de R$ 155 milhões. Se calcularmos que um apartamento de alto luxo custa R$ 10 milhões nas zonas nobres de São Paulo e Rio de Janeiro, cada aeroporto custou o equivalente a 15 desses imóveis.
Além do preço baixo, a venda dos aeroportos mostra descaso com a soberania nacional e as necessidades dos clientes, trabalhadores e trabalhadoras desses aeroportos, afirmam dirigentes do Sindicato Nacional dos Aeroportuários (SINA) e do Sindicato Nacional dos Aeroviários (SNA).
Francisco Lemos, presidente do SINA ,diz que é um escândalo os aeroportos brasileiros serem vendidos justamente para estatais de países estrangeiros e consórcios de fundo de pensão, o que mostra, mais uma vez, que o Brasil vai na contramão do mundo ao privatizar esses ativos.
O dirigente explica que a venda de vários aeroportos ao mesmo consórcio ou a governo estrangeiro inclui os que dão lucros e os que não dão. E para manter os pequenos aeroportos, de menor movimento de passageiros, funcionando, a Infraero, que administrava os grandes aeroportos, fazia o chamado subsídio cruzado, que nada mais é do que financiar os de menor lucro. Por isso, o governo decidiu vendê-los em blocos, sendo a empresa obrigada a ficar com os de menor interesse.
O que parece um bom negócio, segundo Lemos, não é, porque as empresas compradoras visam o lucro e, podem acabar com o subsídio cruzado, diminuir o número de voos nesses aeroportos, e provocar o aumento do valor da passagem aérea, além de diminuir o número de trabalhadores no local.
“A Infraero chegou a administrar 62 aeroportos e hoje mantem apenas 18. Já teve 16 mil trabalhadores, e agora conta com apenas 5.500. Só não houve muitas demissões por que, por falta de concursos públicos no país, esses servidores foram transferidos para outros órgãos, como o Instituto Chico Mendes, a Advocacia Geral da União, o INSS, a Polícia Federal e até o Exército. Hoje não tem nenhum trabalhador da Infraero nos aeroportos concedidos”, conta Lemos.
O dirigente lembra que até mesmo o aeroporto de Viracopos em Campinas (SP), um dos maiores do país, concedido em 2012, passou por recuperação judicial, após a concessionária da Aeroportos Brasil, que administra a estrutura, acumular uma dívida de R$ 2,88 bilhões. A empresa iniciou um processo de ‘relicitação’, ou seja, a devolução amigável da concessão. O empreendimento deve passar por um novo leilão, entre julho e setembro deste ano.
A Infraero detém 49% das ações de Viracopos e investiu R$ 777,3 milhões na estrutura. Os outros 51% são divididos entre a UTC Participações (48,12%), Triunfo Participações (48,12%) e Egis (3,76%), que formam a concessionária.
De acordo com Lemos, o mesmo está acontecendo com o aeroporto de Natal (RN). Comprado pelos argentinos, eles viram que não dá lucro e agora estão ‘loucos’ para se livrar dele. E quem sofre as consequências são os usuários, os lojistas, os taxistas e todos que dependem do local.
“Governos estrangeiros estão comprando nossos aeroportos e ampliando seus negócios aqui, mas na hora que esses aeroportos não derem o lucro esperado eles vão querer devolver da mesma forma que os argentinos, que estão ‘loucos’ para devolver o aeroporto de Natal”, diz.
Segundo ele, isto também pode acontecer com os aeroportos de Teresina (PI) , Rio Branco (AC), São Luís (MA), Porto Velho (RO), Maceió (AL) e Aracaju (SE).
“Esses aeroportos não vão dar lucros nunca, nem nas mãos da Infraero, nem das estatais estrangeiras, nem nos fundos de pensão”, afirma.
Francisco Lemos alerta ainda que pode ocorrer em aeroportos administrados por empresas que não têm critérios de operação, aumentos nos valores dos seguros das aeronaves, deixando o preço alto e o aeroporto menos competitivo, e quem vai pagar é o consumidor com o repasse das tarifas no valor da passagem.
“Nos Estados Unidos a empresa administradora e companhias aéreas até constroem terminais, mas a operação toda é feita pelos governos por uma questão de segurança nacional. Aqui tudo vai na contramão do mundo. Está tudo errado”, afirma.
Empresas privadas dificultam trabalho dos aeroviários
Os trabalhadores e trabalhadoras de empresas de aviação também sentem o impacto da mudança de mãos dos aeroportos brasileiros para a iniciativa privada, segundo a porta-voz do Sindicato Nacional dos Aeroviários ( SNA) Patrícia Gomes.
A dirigente conta que as empresas privadas não têm o mesmo olhar que a Infraero tem para com os trabalhadores das companhias aéreas, que não são vistos pelo mercado como consumidores e clientes desses espaços. O mesmo em ocorre em relação aos taxistas, motoristas de Uber e lojistas que atuam nos aeroportos.
“ O passageiro vê o terminal limpo e bonito, mas não percebe que na hora do check-in, o funcionário da companhia errou o preenchimento, pode ter mando sua mala para outro lugar, e demorou em atendê-lo, por que em cima dele tem uma aérea de vidro em que o sol bate muito forte, ele mal enxerga a tela do computador, e está com dor de cabeça pelo tempo exposto ao calor e com má visibilidade”, conta, se referindo ao que ocorreu no Floripa Airport, em Florianópolis (SC), após a reforma do terminal feita pela empresa que ganhou a concessão, a Zurich Airport , que também administra aeroportos na Alemanha e na Bélgica. A medição mostrou que o calor chegava a 22% acima dos demais ambientes do aeroporto.
A dirigente critica ainda o fechamento de partes de banheiros e a diluição em água do sabão disponível nesses locais, em plena pandemia em que a lavagem de mãos é recomendada por médicos e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Parecem coisas simples, mas são relevantes no momento para o trabalhador que está exposto à uma pandemia. Nós tivemos ainda que solicitar visores de acrílico, por que a estrutura onde o aeroviário trabalha, afeta a segurança e seu desempenho”, diz.
Outra preocupação com os trabalhadores é o valor do estacionamento que chega a R$ 200 ao mês. Este valor representa 20% do salário de um aeroviário que ganha em média R$ 1.200.
“Na pandemia esse trabalhador nem pode se dar ao luxo de pegar sua ‘motinha’ para ir ao trabalho por que o preço do estacionamento para ele é proibitivo”, afirma Patrícia.
Tentativas antissindicais
Patrícia ressalta ainda que tem se tornado preocupante o fato das empresas administradoras dos aeroportos não entenderem o papel do sindicato dos trabalhadores, e fazem chegar às companhias aéreas queixas das atividades dos dirigentes sindicais, pressionando, de certa forma, para que a empresa faça retaliações ao trabalhador que está cumprindo seu dever como sindicalista.
“Quando tinha a Infraero, estatal, este diálogo era mais fácil, havia compreensão maior de entender que o espaço do aeroporto também é dos 60 mil trabalhadores aeroviários que precisam de segurança e de salubridade”, afirma Patrícia.
A falta de segurança também ficou evidente no aeroporto de Macaé (RJ) onde as asas dos aviões estacionados ficaram muito próximas umas as outras.
“Num ambiente em que a estruturação das aeronaves não é pensada, com espaçamento pequeno, com riscos à tripulação e aos passageiros, é mais uma demonstração que as empresas privadas pensam somente no lucro.”, afirma Patrícia.
Outorgas suspensas
As outorgas de 51% de cinco grandes aeroportos, Guarulhos, Galeão (RJ), Confins (BH), Viracopos (Campinas) e de Brasília, feitas em 2012, com a Infraero ficando com 49% dos ativos estão suspensas, desde o ano passado, por causa da crise econômica dessas empresas durante a pandemia.
Sem a suspensão, a Infraero seria obrigada a fazer aportes para que os seus sócios cumprissem seus compromisso com a União. Somente em 2020, o governo federal deixou de arrecadar R$ 2,3 bilhões em receitas.
Os 22 aeroportos vendidos
Na sexta rodada de concessões aeroportuárias realizada pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), no último dia 7, o governo federal arrecadou R$ 3,302 bilhões com o leilão de 22 aeroportos, distribuídos em 12 estados brasileiros, responsáveis por cerca de 11% do total do tráfego de passageiros do país (24 milhões de passageiros por ano), antes da pandemia.
A companhia de Participações em Concessões, do grupo CCR, pagou em valor de outorga R$ 2,128 bilhões, por nove aeroportos da região sul do país. São eles: Curitiba (PR), Foz do Iguaçu (PR), Navegantes (SC), Londrina (PR), Bacarcheri (PR), Joinville (SC), Pelotas (RS), Uruguaiana (RS) e Bagé (RS). O CCR também os aeroportos de Goiânia (GO), São Luiz (MA), Teresina (PI), Palmas (TO) e Petrolina (PE), ao valor R$ 754 milhões.
A Vinci Airports que administra 52 aeroportos em 12 países da Europa, Ásia e Américas. ficou com os aeroportos de Porto Velho (RO), Rio Branco (AC), Cruzeiro do Sul (AC), Tabagatinga (AM), Tefé (AM) e Boa Vista (RR), no valor de R$ 420 milhões de outorga. As companhias terão contratos com duração de 30 anos.
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