Mudanças
feitas em dezembro no Marco Civil da Internet provocaram severas
críticas de entidades da sociedade civil que vêm colaborando na
construção do projeto desde seu início.
Essas entidades enviaram ao Congresso uma nova proposta de redação
para garantir, entre outros pontos, a efetividade da neutralidade
da rede.
Para as ONGs, associações e acadêmicos que assinam a carta, as
mudanças feitas no Marco Civil contrariam os princípios de
privacidade e liberdade de expressão. Entre as entidades, estão
Barão de Itararé, o Coletivo Digital, o Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação e o Idec.
Privacidade e liberdade de expressão
As entidades criticam, por exemplo, a obrigatoriedade da guarda de
dados de usuários. Elas defendem que, em nome da privacidade,
apenas a guarda de registros seja obrigatória. “Reconhecemos a
importância dos esforços de se construir maioria parlamentar no
apoio ao texto, mas esses esforços não podem colocar em risco os
princípios fundamentais da lei, algo que entendemos estar
acontecendo”, afirma a carta.
Também é expressa a preocupação com a liberdade de expressão. Para
as associações, a criação de um mecanismo de remoção de cenas de
nudez e sexo a partir de uma simples notificação por qualquer
pessoa abre espaço para o “patrulhamento de conteúdos”.
Veja abaixo a íntegra da carta enviada pelas entidades:
Carta das
Organizações da Sociedade Civil ao Relator do Marco Civil da
Internet
As organizações abaixo assinadas vêm, por meio desta, manifestar
grave preocupação com relação à última versão do Projeto de
Lei n° 2.126/2011 (Marco Civil da Internet) apresentada pelo
relator Alessandro Molon.
Entendemos que com a nova proposta pilares fundamentais deste
projeto de lei foram abalados, prejudicando a efetivação de
alguns direitos que são protegidos na parte principiológica do
projeto, quais sejam: o direito à inviolabilidade e o sigilo do
fluxo e conteúdo das comunicações privadas, o direito à
privacidade e à liberdade de expressão.
Reconhecemos a importância dos esforços de se construir maioria
parlamentar no apoio ao texto, mas esses esforços não podem
colocar em risco os princípios fundamentais da lei, algo que
entendemos estar acontecendo, pelas razões abaixo, que comprometem
o apoio das entidades subscritas ao Marco Civil da Internet:
Privacidade
Ao contrário das versões anteriores, que tratavam apenas dos
“registros de conexão e de acesso a aplicações de Internet”, o
novo texto do artigo 10 faz referência também ao “conteúdo de
comunicações privadas”, alargando, portanto, o escopo do projeto
de lei que foi inicialmente confeccionado apenas para lidar com os
referidos registros. Atentamos para o fato de que há ampla
discussão sobre como tratar os diferentes tipos de dados pessoais
em andamento no âmbito do Anteprojeto de Lei de Dados Pessoais que
entendemos ser, portanto, instrumento mais adequado para lidar com
toda diferente gama de dados que transitam na rede. Ainda assim,
qualquer referência à disponibilização do conteúdo das
comunicações privadas que se queira fazer no Marco Civil deve-se
ater aos pré-requisitos Lei de Interceptação Telefônica (Lei n°
9.296, de 24 de julho de 1996), que já trata do tema.
Mas, ainda mais grave que isso, o novo texto também amplia as
obrigações de guarda de registros. Ao contrário da versão
anterior que previa obrigatoriedade de guarda apenas dos registros
de conexão, a versão atual também torna obrigatória a guarda de
registros de acesso a aplicações de Internet para um perfil
bastante amplo de provedores. Estabelece, portanto, uma espécie de
grampo compulsório de toda navegação realizada em grandes
sítios eletrônicos, invertendo o princípio constitucional da
presunção de inocência. Essa atividade, destaca-se, requer
investimentos consideráveis e incentivará as empresas obrigadas a
guardar dados a utilizá-los comercialmente. O Marco Civil, que se
pretende afirmar como a “Carta de Direitos” da Internet no Brasil,
não pode ampliar o escopo da retenção obrigatória de dados, nem
incentivar que um direito fundamental se torne moeda de troca
comercial.
Cabe ressaltar que na União Europeia, onde os standards de
proteção à privacidade são mais altos, a Diretiva que trata de
retenção obrigatória de registros diz respeito apenas aos
registros de conexão, e não aos registros de aplicações. E
mesmo a retenção de dados de conexão está tendo sua
constitucionalidade questionada.
Na Alemanha, por exemplo, tal previsão foi declarada
inconstitucional, levando em consideração o histórico do
período nazista, que se aproveitou de bases de dados muito mais
simples. A Alemanha foi também o país que, juntamente com o
Brasil, apresentou a resolução na Assembleia da ONU sobre o
direito a privacidade, aprovada por maioria. Para que no contexto
nacional nosso país seja coerente com sua pauta internacional,
qualquer guarda de registros deve ser balizada pelos direitos
previstos no artigo 7o. Se obrigatória, deve ser por tempo
determinado e limitada a registros relativos a fatos específicos.
Além disso, qualquer previsão de acesso a estes registros deve
ser precedida de ordem judicial e protegida por limites a eventuais
abusos.
Vale lembrar também o Artigo 12 não se destina ao propósito de
garantir maior privacidade aos internautas brasileiros, pelo
contrário amplia a possibilidade de espionagem, além de
representar um custo econômico elevado para o setor que pode
prejudicar colateralmente o surgimento de novas empresas
nacionais.
Por fim, considerando o status global conquistado pelo Marco Civil,
deve-se sopesar o possível impacto em outras jurisdições,
quiçá menos democráticas, de se traçar um precedente em que
grande parte do tráfego de navegação na rede é armazenado.
Liberdade de
expressão
Na válida tentativa de proteger pessoas que tenham sua intimidade
exposta, o novo texto pode criar um sério precedente para a
remoção de conteúdos postados na rede, em detrimento da
liberdade de expressão. No artigo 22 da proposta, criou-se um
mecanismo de remoção de conteúdos com cenas de nudez e sexo a
partir de uma simples notificação por qualquer pessoa que se
oponha a essas imagens, abrindo espaço para o patrulhamento de
conteúdos por parte de indivíduos ou organizações que discordem
do seu teor, quiças por parâmetros morais ou religiosos
específicos que não sejam abertos para a diversidade da rede, e
da sociedade. É imperativo que a remoção deste tipo de material
na rede seja possível apenas mediante a solicitação, nos termos
propostos no artigo 22, pela vítima da violação de sua
intimidade.
Neutralidade de
Rede
A inclusão da “liberdade de modelos de negócio” como um
princípio da disciplina do uso da Internet no Brasil abre uma
importante margem interpretativa sobre os limites da neutralidade
de rede. Entendemos que o novo texto cumpre o objetivo de debelar a
pressão sistemática das operadoras de telefonia contra o texto do
artigo 9o, que permaneceu intacto. Entretanto esse movimento de
conciliação política não pode prejudicar a técnica
legislativa, ensejando assim uma guerra de interpretações sobre o
princípio da neutralidade. Diante disso, consideramos que os
esforços políticos de conciliação dos diversos interesses em
torno do Marco Civil eliminaram completamente as possibilidades de
novas concessões no que diz respeito à neutralidade de rede, sob
pena de se comprometer definitivamente essa importante garantia
para a liberdade de expressão, a concorrência e o desenvolvimento
da Internet no Brasil.
Data centers no
Brasil
É relevante sublinhar, ainda, que as entidades que assinam essa
carta não compartilham da opinião de que o art. 12 do atual
relatório é medida voltada à proteção da privacidade dos
internautas brasileiros. Ao contrário, a obrigatoriedade de
instalação de data centers no país pode facilitar o
monitoramento dos brasileiros, especialmente na ausência de
legislação mais detalhada de proteção de dados pessoais no
Brasil. Além disso, representa um custo econômico elevado que
pode prejudicar colateralmente o surgimento de novas empresas
nacionais, bem como uma quebra na lógica global da rede.
Diante desses graves retrocessos do último texto, as
organizações abaixo assinadas apresentam as reformulações que
consideram necessárias nos três artigos mencionados, colocando-as
como imperativas para a manutenção de apoio ao projeto de lei.
Caso o texto proposto ou equivalente não seja admitido no
relatório, as entidades que assinam esta carta retirarão o apoio
do projeto de lei, apesar do grande esforço de contribuição com
texto no intuito de assegurar direitos alinhados à defesa de uma
sociedade democrática, justa e livre.
Proposta de
texto:
Art. 10. A guarda e a disponibilização
dos registros de conexão e de acesso a aplicações de Internet de
que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de
comunicações privadas, devem atender à preservação da
intimidade, vida privada, honra e imagem das partes direta ou
indiretamente envolvidas.
§ 1o O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a
disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma
autônoma ou associados a dados pessoais ou outras informações
que possam contribuir para a identificação do usuário ou do
terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção
IV deste Capítulo, respeitado o disposto no artigo 7o.
§ 2o O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser
disponibilizado mediante ordem judicial, nos termos do disposto na
Lei 9.296, de 24 de julho de 1996.
§ 3o O disposto no caput não impede o acesso, pelas autoridades
administrativas que detenham competência legal para a sua
requisição, aos dados cadastrais que informem qualificação
pessoal, filiação e endereço, na forma da lei.
§ 4o As medidas e procedimentos de segurança e sigilo devem ser
informados pelo responsável pela provisão de serviços de forma
clara e atender a padrões definidos em regulamento, respeitado seu
direito de confidencialidade quanto a segredos empresariais.
Art 16. Na provisão de aplicações de Internet é facultado
guardar os registros de acesso dos usuários, respeitado o disposto
no art. 7o.
§ 1o O provedor de aplicações de Internet constituído na forma
de pessoa jurídica, que exerça essa atividade de forma
organizada, profissionalmente e com fins econômicos que decidir
guardar os registros de acesso dos usuários nos termos do art. 7o
deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de
internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo
prazo de seis meses, nos termos do regulamento.
§ 2o Ordem judicial poderá obrigar os provedores de aplicações
de Internet que não estão sujeitos ao disposto no § 1o a
guardarem registros de acesso a aplicações de Internet, desde que
se tratem de registros relativos a fatos específicos em período
determinado, por prazo não superior a seis meses.
§ 3o A autoridade policial ou administrativa ou o Ministério
Público poderão requerer cautelarmente a qualquer provedor de
aplicações de Internet que os registros de acesso a
aplicações de Internet sejam guardados, inclusive por prazo
superior ao previsto no § 1o, não podendo ultrapassar doze
meses.
§ 4o Na hipótese do § 3o, a autoridade requerente terá o prazo de
sessenta dias, contados a partir do requerimento, para ingressar
com o pedido de autorização judicial de acesso aos registros
previstos no § 1.
§ 5o O provedor responsável pela guarda dos registros deverá
manter sigilo em relação ao requerimento cautelar, que perderá
sua eficácia caso o pedido de autorização judicial seja
indeferido ou não tenha sido protocolado no prazo previsto no §
4o. Com a ineficácia do requerimento cautelar o provedor
responsável pela guarda deverá promover a exclusão e definitiva
dos dados solicitados.
§ 6o Em qualquer hipótese, a disponibilização ao requerente, dos
registros de que trata este artigo, deverá ser precedida de
autorização judicial, conforme disposto na Seção IV deste
Capítulo.
§ 7o Na aplicação de sanções pelo descumprimento ao disposto
neste artigo, serão considerados a natureza e a gravidade da
infração, os danos dela resultantes, eventual vantagem auferida
pelo infrator, as circunstâncias agravantes, os antecedentes do
infrator e a reincidência.
Art. 22. O provedor de aplicações de Internet que disponibilize
conteúdo gerado por terceiros poderá ser responsabilizado
subsidiariamente pela divulgação de imagens, vídeos ou outros
materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter
privado sem autorização de seus participantes quando, após o
recebimento de notificação da pessoa retratada nas imagens ou de
seu responsável legal, deixar de promover, de forma diligente, no
âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a
indisponibilização desse conteúdo.
§1o A notificação prevista no caput deverá conter elementos que
permitam a identificação específica do material apontado como
violador de direitos da vítima, bem como a verificação de que o
notificante se trata da pessoa retratada ou de seu responsável
legal.
§2o Os casos de falsidade ideológica serão responsabilizados na
forma da lei.
Assinam essa carta: Arpub (Associação das Rádios Públicas do
Brasil) / Artigo 19 / Associação Software Livre.org / Barão de
Itararé / Coletivo Digital / CTS – FGV / FNDC (Fórum Nacional
pela Democratização da Comunicação / GPOPAI/USP / Idec /
Instituto Bem Estar Brasil / Instituto Socio Ambiental / Intervozes
/ Knowledge Commons / Movimento Mega / Partido Pirata /
Proteste.
Com
informações do Blog do Zé
Dirceu
Secretário Nacional de Comunicação da CNTTL: José Carlos da Fonseca - Gibran
Redação CNTTL
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