A
presidenta Dilma Rousseff assinou, na abertura da III Conferência
Nacional de Promoção da Igualdade Racial, 5 de novembro, em
Brasília, projeto-de-lei que estabelece cotas raciais, num
percentual de 20%, para os concursos públicos, medida essencial
para consagrar os caminhos para a superação das bases sobre as
quais se ergueu o Estado brasileiro: a escravidão, o tráfico
negreiro e todos seus desdobramentos ideológicos, que produziram o
racismo nacional travestido da retórica meritocrática. Sim, porque
com mais renda e oportunidades, é fácil à elite branca efetivar
seus direitos e dizer-se mais preparada.
Se o estudioso Mário Theodoro, à época da conquista das cotas no
ensino superior, já alertava que a universidade pública é
considerada excelente e esse era o “filé” que as elites brancas não
quereriam dividir, espera-se agora uma reação ainda mais virulenta
por parte dos ideólogos do padrão de dominação vigente no país.
E isso não tardou.
Apenas um dia após o anúncio, festejado em uma imensa Kizomba no
plenário da III Conapir, em editorial de 7 de novembro, a Folha de
São Paulo, prenhe do pseudo-constitucionalismo de 32, já desanca a
medida: “Quando o Estado contrata um servidor, espera-se que seja o
mais qualificado”, diz ele. Demétrio Magnoli, escriba tradicional
do elitismo neoliberal, atacou em artigo: “O racialismo exibe-se,
agora, como ele realmente é: um programa de divisão dos brasileiros
segundo o critério envenenado da raça”.
Pelo menos, parecem esgotar-se os argumentos, já que repetem as
mesmas artificialidades expelidas quando o ex-presidente Lula
anunciou o que considero a parte mais importante da reforma
universitária construída gradualmente pelo seu governo: a invasão
da universidade pelo povo e sua hiper-coloração. Já bastava de um
ensino superior financiado pelos pobres, em sua maioria negra, por
causa de nossa carga tributária regressiva, e a incongruente
produção de diplomas quase que exclusivamente para as rendas mais
altas da sociedade.
Já é lugar comum a constatação, via inúmeras pesquisas e estudos,
de que os cotistas obtiveram desempenho melhor do que os que
ingressaram pela meritocracia tradicional, logo a reserva de vagas
apenas desmontou o que todos sabíamos: que a rede particular é mais
bem estruturada que a pública, por causa da reforma educacional da
ditadura e dos anos de neoliberalismo (1990-2002).
Hoje, podemos, felizmente, saudar uma geração inteira de negros com
ensino superior, lutando para se pós-graduar nos máximos níveis
possíveis, sob os auspícios do ProUni e das cotas, o que também
serviu enormemente para a mobilidade social das famílias
afrodescendentes do país, num cenário de grande geração de emprego
e desenvolvimento. Não à toa, são os negros a maioria da população
em mobilidade social no Brasil, embora os números mais recentes da
PNAD ainda revelem uma desproporção entre os rendimentos de negros
e brancos. Aqui, mais uma prova do acerto da opção por não deixar
gerações e gerações esperando pelo incremento da rede pública – que
vem ocorrendo à olhos vistos devidamente reconhecido pelas agências
internacionais – pois isso significaria mais décadas de exclusão
social.
O desafio das cotas no serviço público, portanto, vem fechar duas
contas principais: aproveitar esta nova geração de universitários
negros e completar uma nuance da lógica que embasou a decisão de
democratizar o acesso à universidade, que é potencializar a
mobilidade social. Giovanni Harvey, secretário-executivo da
Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR),
não se poupa de demonstrar intra e extra-governo o quanto o
funcionário público negro, mesmo que em funções menores nos anos
30, 40, 50, foi essencial para produzir uma exígua classe média
negra, porém fundamental para que alguns de seus filhos pudessem
estudar, se formar e melhorar a vida da família, em sentido amplo,
como um todo.
Além disso, a República precisa e deve fazer o bom uso desta nova
inteligência, “know how” e “savoir faire” desta geração, que é
fruto de um grande investimento público e não pode ficar apenas
disponível para o mercado, que é sim um dos objetivos
inconfessáveis dos argumentos anti-cotas. O Estado precisa deste
capital humano e sua tecnologia para incrementar ainda mais e
melhores serviços públicos, num contexto de expansão de políticas
públicas e, portanto, de seu planejamento e gestão, até mesmo para
que haja um efeito semelhante ao que deve ocorrer em âmbito
acadêmico: um novo olhar a partir do ser social negro e oriundo das
camadas de baixa renda. Lá, influenciando os rumos da pesquisa, do
ensino e da extensão. Aqui, os rumos dos instrumentos de
elaboração, monitoramento, avaliação e execução da política
pública.
Claro que isso demanda também organização política porque a virada
do “etnia em si” para “etnia para si” não é um processo automático,
mas isso é uma outra história.
Por fim, a implementação das cotas raciais no serviço público
chegará no momento certo em que o Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão constrói um projeto-piloto de convergência entre
as conferências nacionais e o Plano Plurianual (PPA), isto é, criar
a conexão direta entre os produtos das primeiras com o próximo
ciclo do segundo. A III Conapir já é a primeira experiência neste
sentido. Novamente citando livremente Giovanni Harvey, a partir de
entrevistas e discursos recentes dele, esta conferência não
objetiva mais construir planos para promoção da igualdade racial,
mas incidir diretamente no PPA, ou seja, no instrumento
constitucional de planejamento governamental no âmbito da
União.
Assim, teremos ainda mais os negros (e demais etnias historicamente
sonegadas de seus direitos) inscritos e qualificando o
desenvolvimento do Brasil. E um serviço público ainda mais forte,
coma presença de inteligência negra para seu planejamento e gestão
será imprescindível.
Os negros estão vindo ao serviço público, sim, porque estão muito
preparados.
Leopoldo Vieira (Foto: PT) é assessor especial da Secretária de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, coordenador do Monitoramento Participativo do PPA e secretário do Núcleo Petista “Celso Daniel” de Administração Pública.
Secretário Nacional de Comunicação da CNTTL: José Carlos da Fonseca - Gibran
Redação CNTTL
Mídia Consulte Comunicação &Marketing
Editora e Assessora de Imprensa: Viviane Barbosa MTB 28121
WhatsApp: 55 + (11) 9+6948-7450
Assessoria de Tecnologia da Informação e Website: Egberto Lima
E-mail: viviane@midiaconsulte.com
Redação: jornalismo@midiaconsulte.com
Siga a CNTTL nas redes sociais:
www.facebook.com/cnttloficial
www.twitter.com/cnttloficial
www.youtube.com/cnttl
Mídia
Canal CNTTL