A edição especial da revista
"Retrato do Brasil" mostra uma reportagem sobre a construção do
mensalão com as provas de que não houve desvio de dinheiro público
no alegado esquema. O material da revista do jornalista Raimundo
Pereira é muito minucioso e rico em informações elucidativas. José
Dirceu realiza um resumo dos dados mais importantes da reportagem
em seu blog. A reportagem mostra a construção do processo do
mensalão e seu desenrolar até chegar a condenações sem provas.
Confira a seguir:
Nas
palavras da própria Retrato do Brasil, a revista mostra como o STF
“deu vida à invenção de Roberto Jefferson” .
A revista conta como foram feitas as peças de acusação do processo.
Relembrando: em 30 de março de 2006, foi apresentado o relatório
final da CPI dos Correios, com o pedido de indiciamento de 122
pessoas. No mesmo dia, o então procurador-geral Antonio Fernando
Souza apresentou a denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas
reduzindo a lista para 40 pessoas.
“Destaque-se, para a nossa história, que o procurador eliminou da
lista quatro nomes do Banco do Brasil. Ficaram apenas os dos
petistas Henrique Pizzolato e Luiz Gushiken. Saíram o presidente do
banco, Cássio Casseb, e mais três funcionários, que vinham da
administração anterior, do governo Fernando Henrique Cardoso, a
despeito de terem assinado, com Pizzolato, os documentos
considerados incriminadores, que encaminharam os pedidos de
liberação dos 73,8 milhões de reais em recursos do Fundo de
Incentivos Visanet, tido como desviados dos cofres públicos.”
Souza não indiciou vários deputados apontados na lista da CPMI que
ainda não tinham sido julgados pela Câmara. Mas incluiu João Paulo
Cunha, que também não havia sido julgado.
A tese do relatório da Procuradoria se contrapunha aos réus, que
desde o início do escândalo tinham admitido a existência de caixa
dois, e não do mensalão. Como vimos anteriormente, o pilar da tese
do relatório eram os supostos desvios do BB – desvios que nunca
existiram.
A Retrato diz que “as acusações de Souza estão submersas num texto
muito mal escrito e mal concatenado”. “É um texto confuso, que
envereda por desvios. Por exemplo, chega a sugerir que o BMG, um
dos bancos que emprestaram dinheiro ao PT e às empresas de Valério
e sócios, era o centro de tudo: ‘Todos os fatos que se desenrolaram
desde então demonstram que as ações desenvolvidas pelo núcleo
político-partidário foram pautadas exclusivamente para beneficiar o
banco BMG’”. Tal benefício teria envolvido autorização para operar
com crédito consignado. Mas o BMG acabou sendo excluído do
julgamento numa fase posterior.
“Em relação à chefia da quadrilha, a denúncia de Souza comete outra
extravagância: denuncia Luiz Gushiken, ministro da Secretaria de
Comunicação Social da Presidência da República e chefe de Henrique
Pizzolato, por ser o homem que controlava a propaganda do governo
Lula. A questão que o indiciamento de Gushiken levantava era: se o
dinheiro desviado dos cofres públicos eram os 73,8 milhões de reais
supostamente extraviados por Pizzolato, o chefe da quadrilha
deveria ser Gushiken, e não José Dirceu. Talvez por essa
incongruência Gushiken também foi posto fora da acusação numa etapa
posterior desta nossa incrível história”, afirma a revista.
Ordem alterada
Em 2007, a denúncia de Souza foi aceita pelo STF. Em 2011, o novo
procurador-geral, Roberto Gurgel, apresenta as alegações finais,
mantendo a tese do desvio de dinheiro público como pilar.
“Gurgel também torce os depoimentos de líderes de partidos acusados
de receber suborno (...) Ele negam o suborno e insistem em dizer
que o que houve foram acordos políticos permitidos pela lei
eleitoral. Gurgel tenta usar esses depoimentos para provar que José
Dirceu era o chefe das negociações da ajuda financeira.”
A revista acrescenta que “Gurgel também usa, nas suas
alegações, o truque no qual o ministro Barbosa se especializaria no
julgamento: depoimentos colhidos na fase do inquérito policial,
durante a qual os acusados não tiveram direito ao
contraditório”.
Já no STF, a denúncia foi alterada na ordem de apresentação dos
supostos crimes. Segundo a revista, o relator procurou “contar uma
historinha, fácil de ser aceita pelo público”.
“Começou, então, pelo capítulo cinco, pela historinha de que Cunha
e Pizzolato teriam sido simplesmente subornados. Depois foi para o
capítulo três, no qual Souza procurava mostrar que o dinheiro do
esquema petista viria de desvio de dinheiro público e, de fato,
Cunha e Pizzolato teriam sido subornados para permitir o roubo do
dinheiro do povo. Deixou por último o mais difícil, o capítulo no
qual Dirceu é acusado de formar a sofisticada quadrilha tripartite.
Com essa forma, o escândalo ficou mais compreensível , ‘o capítulo
anterior jogava luz sobre o subsequente’, disse, na época, Barbosa
ao Estadão.”
A Retrato do Brasil também lembra que Barbosa decidiu fatiar a
votação do julgamento. “O que Barbosa fez ao começar o julgamento
pelas historinhas de corrupção é o oposto do que se recomenda num
debate intelectual sério, transmitido pela televisão e, em certa
medida, portanto, realizado diante do povo.”
“Barbosa fugiu do que seria sua obrigação básica de juiz do caso, a
de confrontar a tese da acusação, a do mensalão, com a do caixa
dois, dos réus. Uma era antagônica à outra.”
“E ter feito isso respeitando os princípios básicos do direito
penal: a necessidade de provar a materialidade do crime, de partir
da presunção de inocência dos réus, do princípio in dubio pro reo –
em caso de dúvida deveria absolvê-los.”
Flexibilizações
A revista afirma que “o fato básico do mensalão, para ser provado
no STF, exigiu uma invenção, uma mentira: um grande desvio de
dinheiro público do Banco do Brasil, de 73,8 milhões de reais, e um
desvio menor, da Câmara dos Deputados”. Segundo a Retrato, só foi
possível levar essa tese adiante por causa do “desrespeito ao
princípio básico da justiça, de que se deve partir primeiro da
materialidade do crime para só depois ir em busca dos
culpados”.
Primeiro, a questão da prova da materialidade do mensalão – o
desvio de dinheiro – foi posta de lado. “O passo seguinte do
julgamento foi fazer o que poderíamos batizar de um julgamento
flex: flexibilizar outros aspectos históricos do direito penal,
como a presunção da inocência, a atribuição do ônus da prova à
acusação e a necessidade tanto do crime antecedente para as
acusações de lavagem de dinheiro quanto do ato de ofício para a
comprovação do crime de corrupção, entre outros.”
A revista diz que, além do desprezo a fatos, depoimentos e
documentos, o ônus da prova foi invertido. Os réus é que passaram a
ter que provar sua inocência.
“O fatiamento e a não aceitação do desmembramento do processo para
retirar do STF a esmagadora maioria – 35 dos 38 réus – que não
tinha foro privilegiado praticamente tiraram a defesa do
julgamento.”
“Para a condenação de José Dirceu, momento supremo do julgamento, a
dificuldade da acusação era ainda maior do que nos casos de
Pizzolato e Cunha. O direito penal brasileiro é explícito ao dizer
que um acusado não pode ser condenado principalmente por indícios.
Diz ainda que as provas para o julgamento devem ser produzidas na
fase judicial dos processos, sob o princípio do contraditório, ou
seja, com condições para que os advogados dos réus possam
contraditá-las. Esse princípio distingue testemunhos produzidos em
inquéritos policiais, ou em comissões parlamentares de
investigação, como a CPMI dos Correios, dos testemunhos produzidos
na fase judicial do processo, ou seja, diante do juiz, com a
participação da defesa.”
“Para condenar Dirceu, desde o início do julgamento, não só Barbosa
como vários ministros passaram a dizer que se deveria aceitar prova
mais elástica para condenar, uma vez que, quanto maior o cargo
ocupado, mais difícil seria a obtenção de registros da atividade
criminosa. Um exemplo: Dirceu recebeu na Casa Civil dirigentes
tanto do Banco Rural como do BMG, que deram empréstimos ao PT ou
que foram repassados ao PT. Essas reuniões foram apontadas como
indícios do grande crime do mensalão, da trama da qual Dirceu seria
o chefe e que incluía o desvio de dinheiro público para comprar
deputados e benefícios milionários – ou bilionários, às vezes se
dizia – para os mesmos bancos.”
“É lógico que os bancos se aproximaram do chefe da Casa Civil de
Lula pensando em benefícios para suas empresas. Mas, além de não
terem ocorrido os desvios que tornariam fictícios os empréstimos,
diretos ou repassados ao PT, onde, nos autos, foram provados os
milionários benefícios aos bancos? Em lugar nenhum. Não há mal
nenhum em considerar sempre como interesseiras e suspeitas as
aproximações de empresários com o governo e suas doações aos
partidos, mas provar crimes é outra coisa. Porém, é claro: se nem o
crime central, o desvio de dinheiro público, o julgamento provou, o
que mais poderia se esperar dele?”
CNTT com informações do Blog do Zé
Dirceu
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