Início de governo, mobilização das centrais
sindicais nas ruas, abertura de negociação. Entre juros e juras, o
sindicalismo brasileiro coloca na mesa a sua pauta, reivindicada
pela classe trabalhadora: manutenção da política de valorização do
salário mínimo, reajuste da tabela do Imposto de Renda e aumento
dos benefícios dos aposentados.
Deixando clara a nossa posição: os R$ 580
como poderoso instrumento de desenvolvimento, crescimento e
expansão; a correção da tabela para que as conquistas salariais
obtidas ao longo de 2010 não sejam surrupiadas pelo leão da Receita
– já que a defasagem desde 1995 ultrapassa os 60%, onerando mais
quem recebe menos. E mais: o aumento real para os oito milhões de
aposentados e pensionistas que ganham acima do
mínimo.
Os
ventos que sopram da equipe econômica do governo embaralham o jogo,
entoando uma velha e conhecida cantilena: falta de recursos, riscos
inflacionários, “fazer mais com menos”. O que foi enfaticamente
negado no palanque é agora afirmado, sem o mínimo pudor, abaixo
dele. E a pauta dos derrotados volta como onda, amplificada pela
mesma mídia que se alinhou ao demotucanato, a fim de envelhecer o
novo governo. Entre vais e vens, se confirma a máxima repetida à
exaustão por Frei Betto: governo é como feijão, só funciona à base
de pressão..
Diante do impasse, é necessário esclarecer
alguns pontos, para que eventuais equívocos, como o do ministro
Guido Mantega, não se transformem num grave tropeço. Pior, em
trapaça. Afinal, o eleitor votou em Dilma Rousseff para aprofundar
as mudanças iniciadas pelo presidente Lula e não para que sua
administração se perca nos descaminhos do arrocho fiscal, do corte
de investimentos públicos e do aumento real zero para o mínimo.
Abdicar deste Norte, como pretendem alguns, seria como quebrar a
bússola, o que em tempos de ventos especulativos e nuvens
internacionais carregadas de emissão de dólares, equivaleria a
condenar o barco – e sua tripulação – às agruras do rochedo
neoliberal.
Mais do que
uma figura de linguagem, estamos falando com a autoridade de quem
contribuiu para a construção política que garantiu ao Brasil dar o
passo pela opção correta: em defesa do seu próprio mercado, da
manutenção de direitos, da ampliação de salários. Esta foi a
receita que tornou possível ao nosso país ser um dos últimos a
entrar na crise e um dos primeiros a sair dela. Ou
não?
Reconhecida como elemento chave no
fortalecimento do mercado interno, a política de valorização do
salário mínimo, ao elevar o poder de compra e distribuir renda,
alavancou salários e empregos, criando condições para que o país
não naufragasse, transformando em “marolinha” a crise financeira
internacional. Ou não?
Para não nos estendermos sob as óticas em
disputa, é preciso apontar a grave injustiça da política dos dois
pesos e muitas medidas com que nos atacam. Com que autoridade o
Executivo pode negar os R$ 580 e fazer cálculos do impacto de cada
mísero real de aumento para a Receita em milhões, se o destinado ao
pagamento de juros se conta na casa dos muitos bilhões de reais, se
o recente aumento de 0,5% na Selic significou a não construção de
380 mil moradias? Mais juros, menos empregos. E a lógica irracional
dos mais altos juros reais do mundo consome expectativas, diminui
perspectivas, sinaliza inseguranças e retrações.
Com que autoridade o Legislativo pode deixar
de referendar a política de valorização do salário mínimo e os R$
580, se no último dia de votação efetiva na Câmara o plenário
aprovou o projeto de aumento de 61,83% nos salários dos próprios
parlamentares, que alcança a módica quantia de R$ 26.723,13? Esse é
o mesmo valor do salário do ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF), que serve como teto do funcionalismo público, mais de 50
vezes superior ao mínimo atual. Vale lembrar que o dinheiro que
jorra para a folha do Legislativo tem a mesma fonte, que agora
dizem estar seca para beneficiar a 47 milhões de pessoas que
dependem do salário do mínimo.
O
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(Dieese), na sua Nota Técnica 94 intitulada “Inflação e juros: é
necessário mudar o rumo do debate”, lembra que “nos últimos anos,
especialmente a partir de 2004, a economia brasileira cresceu num
ritmo mais intenso que o das duas décadas anteriores” e que “a taxa
média de crescimento dobrou em relação ao período anterior”. Esse
resultado, informa o Dieese, “esteve apoiado no aumento do valor
real do salário mínimo, nos programas de transferência de renda
para os mais pobres e na expansão do crédito. Nesses anos houve
permanente elevação do consumo das famílias e da taxa de
investimento. Contudo, a sustentação do crescimento vai depender,
em grande medida, da contínua elevação dos salários reais, do
consumo e do investimento doméstico”.Que estas
palavras ecoem e abram caminho para a voz das ruas – e das urnas -
na mesa de negociação.
Com
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